Terceira atração mais visitada da França, a região abriga o Monte Saint-Michel, arquitetura fantástica e história fascinante!
Normandia: sob as bênçãos do arcanjo
por Mauricio Nunes
A terra dos vikings e cenário da batalha do fatídico dia D é hoje um dos mais fascinantes destinos turísticos do mundo, e não é por menos, já que um dos cartões-postais da Normandia, e arrisco a dizer da Europa toda, é o Monte Saint Michel, um perfeito e real cenário de conto de fadas aberto ao público.
Visualmente impressionante, o Monte Saint-Michel é uma ilhota de pedra granítica localizada na foz do rio Couesnon, costa da Baixa Normandia, a pouco mais de 350 km de Paris.
Aclamado também como importante local de peregrinação no Oeste Medieval, o destino é o terceiro mais visitado da França e já recebe cerca de 3 milhões de visitantes por ano, ficando atrás apenas da Torre Eiffel e Versalhes.
Nada mal para uma aldeia com menos de 50 habitantes formada por uma comunidade monástica vinda de Jerusalém. Circular por suas vias, escadas e becos, exige certo preparo físico, mas não deixa de ser um espetáculo à parte e que nos remete à época do Renascimento.
Verdadeiras joias arquitetônicas com elementos góticos, casas de pedra com seus telhados de xisto, monumentos históricos, museus, restaurantes, lojas e até uma pequena agência de Correio, fazem do passeio uma experiência medieval elucidativa e inesquecível. Em cada ponto de suas gigantescas muralhas, há um pouco de história e paisagens inenarráveis, especialmente num belo dia de sol.
A Igreja de S. Pierre enfeita a aldeia com sua imponente torre-relógio e uma estátua de Joana D’Arc frente à entrada principal. No interior do santuário, sob o reflexo do sol nos vitrais, nos sentimos abençoados e protegidos pelo olhar de uma estátua do Arcanjo Miguel, ou Saint Michel em francês. O mesmo santo nos vigia, só que dourado e em proporções bem maiores, a 170 metros acima do nível do mar no topo da abadia que enfeita o monte que também é conhecido como maravilha do Ocidente.
A estrutura arquitetônica que muitos confundem com um castelo, na realidade se trata de uma abadia do século 13, e já foi considerada a fortaleza mais segura de todos os tempos, resistindo a todas tentativas de invasão nas batalhas. A história relata que o bispo Aubert de Avranches fundou o santuário em 708 após três aparições do arcanjo São Miguel. Consagrada em 709, a Igreja, há mais de mil anos, continua atraindo visitantes e peregrinos de todo planeta. A visita a este Patrimônio Mundial da Unesco de estilos carolíngio, romano, gótico e clássico leva cerca de uma hora e meia, e se você tiver sorte e assistir uma missa dos monges, considere-se de fato um ser iluminado.
O cemitério da aldeia é outro ponto turístico, pois nele está o túmulo da famosa Annette Poulard, personagem histórica da região. O restaurante La Mère Poulard, inaugurado em 1888, oferece o cultuado omelete que leva seu nome e que já recebeu o aval gourmet de Ernest Hemingway, Woody Allen e Yves Saint Laurent, representados ali em fotos autografadas que enfeitam as paredes junto a de outras celebridades.
O monte também é famoso por seus aspectos ambientais, já que está cercado pelas maiores marés da Europa, elevando o nível do mar em até 15 metros de altura. Na maré baixa, assistir ao pôr do sol na praia nas costas do Monte é algo divino, assim como passar a noite na região que, apesar de não possuir atividades noturnas, se torna uma experiência única, já que avistar o monte iluminado brilhando solitário na escuridão é cinematográfico.
A melhor época para visitar Saint-Michel é entre maio e outubro, por conta do clima, mas o destino é altamente recomendável em qualquer época do ano.
Cidade medieval
Rouen, a capital da Normandia, é conhecida historicamente por ser a cidade em que Joana D’Arc viveu seus últimos dias. A menina de origem simples, que desde os 12 anos dizia ouvir vozes do céu que lhe confiaram a missão de libertar a França do domínio inglês, apesar do êxito, foi julgada, condenada e queimada viva há mais de 500 anos. No local da tamanha crueldade foi erguida uma estátua em homenagem à heroína francesa. A mesma Igreja que a condenou a canonizou séculos depois e templos foram erguidos em sua homenagem.
Em Rouen, por exemplo, há a igreja de Joana D’Arc, concluída em 1979, na praça Vieux-Marché. Embora a arquitetura seja corajosamente contemporânea, foi projetada para exibir painéis gloriosos de vitrais do século 16, resgatados de outras igrejas da capital da Normandia.
A poucos quarteirões da igreja está a torre que restou do imponente castelo que o rei francês Philippe Auguste havia construído em Rouen, depois da expulsão dos ingleses. Joana ficou presa, foi mantida nessa fortaleza e ameaçada de tortura. A torre, que é aberta para visitação, abriga também um jogo de fuga único e emocionante.
Mas, em se tratando da heroína da França, o crème de la crème é mesmo o fabuloso e interativo espaço multimídia Historial Jeanne d’Arc, que fica dentro do Palácio Episcopal, local do julgamento da heroína em 1431.
O museu interativo conta em duas horas, com auxílio de fantásticas projeções mapeadas, toda a história de Joana. O cenário é perfeito para a experiência, já que nele a Donzela de Orleans foi condenada à morte. A mesma câmara testemunhou sua reabilitação póstuma em um segundo julgamento, realizado apenas em 1456, quando as autoridades francesas estavam firmemente de volta ao controle da Normandia.
Rouen também é conhecida por seu relógio astronômico, o Gros-Horloge, de onde é possível ter uma das vistas mais notáveis em Rouen, no alto de sua torre abrangendo a principal rua comercial através do centro da cidade. O Gros-Horloge fica acima de um arco sobre uma rua para pedestres, com sua fachada do século 14 brilhando dourada. Bem próxima ao relógio está a curiosa Rue Massacre toda decorada por guarda-chuvas pendurados artisticamente, formando quase um túnel colorido perfeito para aquela selfie que você sonhou.
A complexa Catedral de Notre-Dame é famosa pela justaposição de todos os períodos do gótico, especialmente em sua fachada exposta em algumas obras de Monet, onde o artista reflete toda a glória do espaço em diferentes luzes. O interior da igreja é repleto de pontos de interesse religiosos e artísticos. O palácio do arcebispo e outros edifícios góticos anexados à catedral aumentam ainda mais o fascínio deste bairro histórico.
A Igreja de Saint-Maclou, outra jóia da arquitetura gótica Flamboyant, fica em um dos bairros históricos mais bonitos de Rouen, caracterizado por magníficas casas de estrutura de madeira, cenário que nos leva de volta ao período medieval.
Já a Abadia de Saint-Ouen, local de culto desde o século 6, é conhecida por ser a primeira igreja dedicada a São Pedro e também porque em 1431 as autoridades condenaram Joana D’Arc à fogueira, caso ela não renunciasse.
A Saint-Ouen começou como uma abadia da Ordem Beneditina e exibe elementos arquitetônicos que datam do século 14. A igreja fica a poucos metros do centro histórico de Rouen e das principais atrações da cidade, entre elas o Musée des Beaux-Arts (Museu de Belas Artes) que fica a menos de 10 minutos a pé, e é considerado um dos melhores da França.
Repleto de obras fabulosas de impressionistas, como Monet, Renoir, Sisley e Degas, é destino certo de turistas que apreciam arte e cultura. O museu expõe também obras de artistas franceses inovadores como Delacroix, Géricault e Corot, além de se orgulhar de suas coleções internacionais que incluem obras de Veronese, Velasquez, Caravaggio e Rubens.
A noite em Rouen é encantadora e a culinária local é digna do melhor da cozinha francesa. Há vários hotéis e pousadas na cidade, mas o Hôtel Littéraire Gustave Flaubert é uma atração à parte. O espaço de extremo bom gosto é dedicado a Flaubert e outros grandes escritores franceses, e por estas e outras se torna uma experiência única.
Reduto impressionista
O primeiro quadro de Monet, “Impressão, nascer do sol”, originou o movimento impressionista e nasceu do contraste entre o mar e o nascer do sol do porto de Le Havre, cidade rica em cultura, gastronomia e uma influente arquitetura.
Após a destruição de 80% da cidade na segunda guerra mundial, o arquiteto Auguste Perret, mentor de Le Corbusier, foi convocado para reergue-la com sua visão modernista e arejada, a um baixo custo e tempo hábil, e assim projetou o que hoje é considerada cidade Patrimônio da Humanidade pela Unesco.
O Apartamento Témoin, decorado em estilo impecável do início dos anos 50, serve como uma notável cápsula do tempo do pós-guerra que Le Havre experimentou, já que o espaço exibe com roupas, jornais, móveis e eletrodomésticos exatamente como se poderia viver dentro de um apartamento na década de reconstrução de Le Havre.
A igreja de São José, obra também de Perret, é tão impressionante que mais parece estarmos dentro de uma das naves da série Star Wars tamanha grandeza, profundidade e efeitos impressionantes de luzes projetadas pelo sol em contato com vitrais milimetricamente calculados, o que torna o interior do templo sombrio e ao mesmo tempo sublime. A torre da igreja, construída com concreto aparente de 1951 a 1959, possui 107 metros de altura e é visível de toda a cidade.
Ainda sobre arquitetura, o teatro de Le Havre, o Vulcão, foi desenhado por ninguém menos que o brasileiro Oscar Niemeyer e é um dos principais pontos de visitação desta bela cidade litorânea.
Visivelmente na forma de um vulcão, a obra é um espetáculo especialmente emoldurado contra um céu azul. No espaço há sala de concertos, teatro e uma biblioteca multimídia.
O MuMA é o museu com o maior acervo de pintura impressionista da França, seguido apenas pelo D’Orsay, em Paris. Sua arquitetura impressiona mediante as paredes de vidro com vista para o mar e iluminação natural, fundindo a beleza do porto às obras de Boudin, Sisley, Pissarro, e claro, Monet, entre tantos outros.
A escultura que enfeita o porto de Le Havre é o Catène de Containers, de Vincent Ganivet, apelidada de “Torre Eiffel de Le Havre”. O artista reuniu uma série de contêineres multicoloridos que compõem dois arcos monumentais entre a cidade e o mar.
A noite em Le Havre é bastante envolvente. Os restaurantes são tentadores e gastronomia farta em frutos do mar. As ruas e parques são extremamente seguros para se passear ao luar curtindo o que há de melhor nesta bela cidade portuária. Uma excelente sugestão de hospedagem é o hotel tematizado Vent d’Ouest.
As mais belas falésias
Há pouco mais de meia hora de Le Havre, está Étretat, charmosa cidade litorânea registrada por famosos impressionistas em suas obras memoráveis. Do calçadão de sua praia vistosa, destacam-se falésias deslumbrantes. À esquerda, quando de frente ao mar, estão Aiguille e a Falaise Aval, que lembra um elefante com a tromba sorvendo água no Canal da Mancha. À direita está a imponente Falaise Amont.
As falésias são facilmente escaladas através de caminhos íngremes, porém seguros, lembrando, é claro, sempre em tomar cuidado com as crianças. No alto do penhasco há uma linda capela que enfeita ainda mais o cenário concebido pela natureza e é o refúgio perfeito para agradecer pelo momento privilegiado.
O Le Galion, restaurante que além da mais nobre gastronomia, oferece ainda um gigantesco campo de golfe e uma das mais fascinantes vistas da paisagem das falésias.
Local histórico
Aos aficionados pela segunda guerra, vale a pena pegar a estrada e seguir até Arromanches para conhecer o porto artificial de Mulberry, onde, como um museu aberto, se preserva ainda vestígios do Dia D.
A poucos quilômetros da cidade, está Longues-sur-mer, município de Calvados, onde bunkers e casamatas que abrigavam artilharias de 150 mm, estão em exposição permanente.
Seguindo ainda em direção a Omaha Beach é possível visitar o Cemitério Americano, criado para perpetuar a memória daqueles que lutaram na Batalha da Normandia.
O Pointe du Hoc, cenário revisto em O Resgate do Soldado Ryan, fecha o tour, com seus bunkers, casamatas e gigantescas crateras formadas pelas bombas lançadas em ataques aéreos. O museu com vídeos reais sobre o Dia D são tão impressionantes quanto elucidativos.
Normandia é isso: cultura, história, beleza, e acima de tudo, o melhor turismo que o mundo lhe oferece.