Uma travessia pelo Peru que se revela à mesa, guiada por chefs que traduzem território, cultura e identidade em cada ingrediente em destinos como Lima, Urubamba e Cusco
DanSa e Cristian Ramírez celebram Lima com cozinha autoral e espetáculo ancestral
Em Lima, o DanSa recebe o visitante com arquitetura contemporânea, luz baixa e atmosfera de ritual. O chef Cristian Ramírez costura uma narrativa que une culinária peruana, coquetelaria, música e dança que atravessam séculos.
A jornada inicia com o coquetel Sara, que mistura whisky de milho, chicha de jora e aroma de piña colada. As entradas — Concha y Tumbo, vieiras sobre purê de olluco com molho de tumbo, e o clássico Cebiche com peixe fresco, ají limo, cebola roxa e milho crocante — apresentam o equilíbrio entre tradição e gesto autoral.
O percurso segue com intensidade: o Rocoto Arequipeño, recheado com guisado de carne de cocção lenta e coroado com batata soufflé e espuma de queijo, e o Arroz con Pato, com pato marinado em chicha de jora, abóbora loche, coentro e arroz Ferreñafe.
Na altitude imaginada pelo chef, chega o Cordero del Altiplano, cordeiro de Ayaviri com purê de mashua, oca e arracacha. Os coquetéis de Lio Alejandro, como El Dorado (grapefruit, camu camu, ají, pisco) e Flora (pisco, maçã, pepino e gotas de chocolate branco), acompanham a narrativa.
O desfecho doce vem com Cacao Olivo, chocolate cusquenho 70% com sal de Maras e azeite. Depois dos pratos, performances como Danza de las Tijeras, Diablada, Huaylas e Festejo Afroperuano contam a história de Teresa, transformando cada etapa em um ato sensorial.
Hacienda Sarapampa une tradição agrícola e cozinha de terroir no Vale Sagrado
Em Urubamba, a Hacienda Sarapampa mantém o cultivo ancestral do milho branco gigante de Cusco em meio a uma paisagem de montanhas e arquitetura rústica. A propriedade, comandada por três gerações da família, abre suas portas ao visitante com atmosfera de fazenda viva.
O menu degustação Da Fazenda à Mesa expressa o território em cada combinação. O Ceviche Andino une alcachofra, tremoço, cogumelos e pimentas locais. A Sopa Cremosa de Huacatay, perfumada e verdejante, chega com creme fraîche artesanal e chips de beterraba.
No principal, Moray, um medalhão grelhado servido com zetas, moraya e chimichurri, reforça a força dos insumos de altitude. O encerramento vem com Sorvete de Milho Branco, acompanhado por tamarillo cozido e pipoca andina caramelizada — homenagem ao grão que molda o Vale Sagrado.
Alma by Casa Andina e Dante Huaman traduzem Urubamba com delicadeza e precisão
Entre montanhas e ruas silenciosas de Urubamba, o Alma by Casa Andina, comandado pelo chef Dante Huaman, combina arquitetura acolhedora e ingredientes do próprio vale. A cozinha privilegia frescor, texturas suaves e sabor que respeita o território.
A refeição inicia com o Ceviche de Trucha, marcado pela acidez limpa do leite de tigre e pela textura delicada da truta. O prato principal, Pesca Sudada, traz caldo aromático de tomate, cebola e chicha de jora, acompanhado de yuca que absorve o perfume do preparo.
Na sobremesa, a Crema Volteada de Quínua surpreende com leveza e dulçor natural, é sensacional. O cardápio ainda oferece Tiradito de Trucha e Lomo Saltado, reafirmando o vínculo entre as técnicas tradicionais e ingredientes da altitude.
Foto: Alex Bryce / PROMPERÚ
Café Inkaterra e Gustavo Borja acolhem o viajante em Machu Picchu Pueblo
No ambiente amazônico do Inkaterra Machu Picchu Pueblo Hotel, localizado en Aguas Calientes, o Café Inkaterra, dirigido pelo chef Gustavo Borja, combina telhado de palha tradicional, madeira, luz suave e vista para o rio Vilcanota. A atmosfera é de refúgio natural — uma pausa entre trilhas, trem e o impacto da cidade perdida.
O cardápio conciso reflete foco e precisão. A Ensalada de la Huerta Inkaterra traz folhas jovens, feijões crocantes, picles de pimenta e vinagrete de gengibre. O Caldo Soup Pollo Yote, com milho, queijo e ovo, entrega conforto imediato e leveza.
A sobremesa segue a linha da simplicidade bem executada: queijo na chapa com melado, quente e delicado. O restaurante cumpre o que se propõe — nutrir, confortar e preparar o viajante para a jornada.
Restaurante Hawa e Liner Vega elevam a cozinha do Tambo del Inka com ingredientes andinos
No luxuoso Tambo del Inka, o restaurante Hawa, sob comando do chef Liner Vega em Urubamba, combina arquitetura acolhedora, iluminação baixa e detalhes culturais que remetem ao Vale Sagrado.
A experiência começa com o elegante caldo de cogumelos, preparado com ingredientes frescos da região e textura aveludada. O principal, Ñoquis de Papa Nativa, celebra as batatas de altitude em massa macia com molho de tomate, trufa, rúcula e parmesão — encontro entre frescor e sofisticação.
O desfecho perfeito vem com a sobremesa Duraznos y Vainilla Amazónica, um encontro entre pêssegos doces, queijo de cabra e baunilha amazônica. A receita utiliza mel para acentuar a naturalidade da fruta e construir uma textura suave, quase etérea.
A cozinha de Vega traduz o território em gestos contemporâneos luxuosos.
Chicha e Gastón Acurio revelam a força de Cusco em pratos de identidade nacional
No Plaza Regocijo, a poucos passos da Plaza de Armas, o Chicha, do chef Gastón Acurio, reúne madeira clara, cerâmicas artesanais e um bar rosado em ambiente deslumbrante. A noite começa com diversos tipos de pães quentes de fermentação cuidadosa e sabor agradável. Entre as entradas, brilham os Wantacos Encocados, Gyozas Uru Tai, Langostinos Melcocha e o Carpaccio de Alpaca com molho Cesar Paria, pesto e rúcula.
O ápice é a Gran Pachamanca a la Olla, que reúne frango, porco, cordeiro, tubérculos, tamales, queijo e molho tradicional. Outras criações incluem o Tiradito Laqueado de Trucha, com mel de tumbo e soja.
Na bebida, a coquetelaria combina clássicos e autorais: Pisco Sour, Alma, Corazón y Vida, que é uma mistura de whisky andino, sirah caseira, licores, maracujá, cranberry e especiarias — exemplo vivo do entusiasmo cusquenho pelo whisky local.
As sobremesas, como Chocolate & Lúcuma Mousse, completam o percurso com frescor andino.
O ponto fraco é o atendimento, com o ritmo apressado, os garçons saem no meio da conversa, deixam o cliente falando sozinho, evitam explicar o menu e ainda lançam o guardanapo no colo — mesmo quando você está de saia e antes de o prato chegar.
Artisano Regocijo e José Luján Vargas unem arte sacra e abundância em Cusco
No pátio colonial do Inkarri Cusco Hotel, o Artisano Regocijo, comandado pelo chef José Luján Vargas, recebe o visitante em ambiente que mistura religiosidade e história. Paredes com representações da Última Ceia, anjos esculpidos e cenas devocionais, além de cadeiras barrocas de inspiração medieval, criam atmosfera teatral.
A refeição começa com a Ensalada Pimahuancha — Truta grelhada, pimenta rocoto recheada com vegetais, gomos de laranja, queijo de cabra, pralinê de noz-pecã e vinagrete de maracujá-andina. O Lomo Saltado surge generoso, com filé salteado, cebola, tomate, batatas crocantes e arroz com milho do vale, para harmonizar com o prato, a emblemática cerveja Cusqueña, fundada em 1908 em Cusco por Ernesto Günther, especialmente em sua versão de trigo, ganha corpo quando servida com um leve movimento circular da garrafa.
A sobremesa Sallaintay, el Nevado, sorvete de milho verde com merengues, chirimoya e bolo de leite, encerra com doçura bastante presente. Apesar de oscilações no serviço, as porções fartas e o cenário singular tornam a experiência marcante.