
Depois das enchentes, o estado está em fase de reconstrução e já recuperou a estrutura rodoviária. Agora, aguarda a reabertura do aeroporto internacional de Porto Alegre, em outubro, para retomar o turismo, sufocado por cinco meses. Hora de visitar e ajudar o Sul!
• por Simone Galib
Dificilmente os brasileiros vão esquecer as imagens do Rio Grande do Sul registradas em maio de 2024, quando o estado submergiu sob as águas de uma das mais dramáticas enchentes de sua história. Foram dias difíceis, de mortes, sofrimento e resgates, que escreveram uma página igualmente dolorida na história do Brasil. Por outro lado, revelaram capítulos de uma resiliência ímpar do povo gaúcho e da imensa solidariedade dos brasileiros de todos os estados do país, que contagiou o mundo.
Passados cinco meses da tragédia climática, a calamidade no Sul saiu do noticiário nacional e das mídias sociais. A vida segue. O estado está sendo reconstruído pelos próprios gaúchos, que arregaçam as mangas. Porto Alegre é hoje um grande canteiro de obras e os eventos corporativos aos poucos retornam, para ajudar na recuperação econômica. Mas, ainda há bares, restaurantes e banheiros públicos fechados na orla do rio Guaíba. Há também muito por fazer e o estado continua praticamente isolado do restante do país em função do fechamento do Aeroporto Internacional Salgado Filho, na capital, que também submergiu, trazendo prejuízos gigantescos. O faturamento do turismo no estado sofreu uma queda significativa de 16,6% em maio em relação ao mesmo período de 2023. Essa redução representou perda de mais de R$ 118 milhões, segundo dados do Conselho de Turismo da FecormecioSP. Mas, os números dos prejuízos são muito maiores.

O projeto da piscina na cobertura do resort Kempinski Laje de Pedras, que tem localização privilegiada em Canela
A reabertura parcial do aeroporto está prevista para o dia 21 de outubro, mas a normalização total dos voos, incluindo os internacionais, só deve ocorrer a partir de janeiro de 2025. E o turismo, que movimenta toda a cadeia econômica, poderá ser uma ferramenta importante de recuperação do estado, mesmo porque a maioria das estradas danificadas já estão abertas e prontas para receber visitantes. Isso ainda só não está ocorrendo devido às grandes dificuldades de acesso por avião e pelos preços exorbitantes das passagens aéreas.
SEM CONEXÃO

Queda d ́água no Parque Estadual do Caracol, que está a uma altitude de 760 metros, a 8,7 km do centro de Canela
As águas de maio também trouxeram à tona a grande lacuna na falta de conectividade aérea do Rio Grande do Sul, que tem um rico e diversificado potencial turístico. Porém, a exploração desse importante segmento nunca foi grande prioridade por ali, como dizem os próprios gaúchos.
O melhor exemplo dessa situação é a Serra Gaúcha, onde as cidades de Gramado e Canela ocupam hoje o terceiro lugar no ranking turístico nacional, com uma infinidade de atrações e cerca de 8,9 milhões de visitantes anuais. Também na serra está Bento Gonçalves, uma das portas de entrada para o Vale dos Vinhedos, onde se concentram mais de 30 produtores de vinhos finos e derivados, entre eles algumas das maiores vinícolas do país, e que juntos produzem em média 12 milhões de garrafas por ano. A região, que abriga ainda Garibaldi e Monte Belo do Sul, atrai cerca 450 mil visitantes todos os anos interessados no enoturismo, em sua farta gastronomia e em suas belas paisagens.
Vale lembrar que o principal acesso para toda essa gente subir a Serra Gaúcha é o aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, que tinha até então 156 voos diários, com cerca de 20 mil assentos, 55% deles ocupados por passageiros em visita à serra. Com o seu fechamento nos últimos cinco meses, o turismo ficou como uma atividade totalmente regional. O gaúcho não conseguia sair e os brasileiros de outros estados tiveram muitas dificuldades em chegar. Vale lembrar que o Rio Grande do Sul tem apenas quatro aeroportos regionais (Caxias do Sul, Passo Fundo, Santa Maria e Pelotas).

Skyglass, em Canela, é a primeira plataforma de vidro da América Latina e uma das maiores do mundo
Foto divulgação Sky Glas
Embora as companhias aéreas tenham feito remanejamento na malha, com seus aviões sendo deslocados para aeroportos regionais, como o de Caxias do Sul ou a base aérea da FAB, em Canoas (na região metropolitana de Porto Alegre), houve redução drástica no número de voos (hoje há entre 1,5 mil e 2 mil assentos, todos lotados) e grande aumento no preço das passagens aéreas. Para se ter uma ideia, o custo de um bilhete São Paulo-Caxias do Sul (ida e volta) no início de setembro, para viajar em outubro, chegava a custar entre R$ 2.317 (Gol) e R$ 2.992 (Latam). Antes do fechamento do aeroporto, o trecho São Paulo-Porto Alegre era cerca de R$ 500,00.
Além dos preços nas alturas, a região concentra forte neblina e o aeroporto de Caxias do Sul não dispõe de grandes instrumentos, o que obriga voos serem desviados, causando prejuízos às empresas aéreas e transtornos aos passageiros.

Portanto, ficou mais barato e fácil viajar a países vizinhos na América do Sul, como Buenos Aires, na Argentina, ou Santiago, no Chile, do que visitar a Serra Gaúcha. E hoje só vai ao estado quem realmente precisa algo que pode começar a mudar a partir do final de outubro com a maior oferta de voos e, principalmente, melhores preços nos bilhetes.
BELEZAS NATURAIS E CANELA
“O Rio Grande é lindo como destino turístico. Aqui, não é só comer foundue e comprar chocolate. Há muito o que explorar”, diz o empresário José Paim Andrade Júnior, sócio do hotel cinco estrelas Kempinski Laje de Pedras, em Canela, que foi comprado pelo grupo hoteleiro europeu de luxo Kempinski e está sendo totalmente repaginado.

Pôr do sol no Vale do Quilombo, uma falésia de 400 metros de altura
Segundo ele, o estado tem tudo o que os viajantes, especialmente os de alta renda, buscam hoje globalmente no segmento de experiências: cânions maravilhosos, locais de natureza ainda intocada, montanhas, planícies, vales, planaltos, rios que entrecortam e alimentam diferentes biomas, parques com paisagens únicas e enoturismo. Porém, faltam investimentos em infraestrutura (e isso não tem nada a ver com as últimas enchentes, é um problema antigo), como estradas que facilitem o acesso a essas maravilhas naturais e aeroportos em locais estratégicos para incentivar o fluxo de visitação. “O estado virou as costas para o turismo e não está presente”, diz ele.
O hotel, que fica num local privilegiado de Canela e com uma vista maravilhosa da serra, por enquanto está apenas com o restaurante aberto, mas o movimento é grande. “Recebemos entre 12 mil e 15 mil pessoas por mês e julho foi espetacular”, diz o empresário. Logo após as enchentes, o cinco estrelas fez uma campanha, principalmente na mídia digital, incentivando o turismo no estado e vai lançar três livros sobre as belezas naturais do Rio Grande do Sul. Elas são muitas –acreditem!
Para ele, com a chegada da bandeira Kempinski em Canela, que além de hotel também oferecerá residências, e o Club Med, que terá uma unidade em Gramado, o turismo na Serra Gaúcha vai decolar nos próximos dez anos. E uma das grandes metas é ter um aeroporto regional na região, um projeto há muito tempo discutido, que precisa sair do papel. “Qualquer cidade razoável tem um aeroporto para dar suporte”, afirma Andrade Júnior.
Gramado e Canela são cidades vizinhas –7 km de distância separam uma da outra ou 15 minutos de carro. Ambas se complementam, com ótima infraestrutura turística e gastronômica. Mas, Canela se destaca por abrigar as grandes atrações naturais, como o belo Parque do Caracol.
VALE DOS VINHEDOS
A infraestrutura rodoviária no Vale dos Vinhedos está plenamente recuperada. Houve vários eventos locais em julho último, auge da temporada de inverno, mas que receberam visitantes apenas do Paraná, de Santa Catarina e da Grande Porto Alegre.

Os parreirais da vinícola Miolo, no Vale dos Vinhedos, Serra Gaúcha
“A região como um todo se reinventou, o público regional respondeu bem, mas a falta do aeroporto de Porto Alegre asfixiou o turismo, com muita gente chegando ao Vale insatisfeita com a logística. Ou a pessoa está realmente precisando vir ou é um herói”, afirma Ronaldo Zorzi, presidente da Associação dos Produtores de Vinhos Finos do Vale dos Vinhedos (Aprovale). Ele diz que o movimento foi 50% menor em relação aos anos anteriores e deposita suas esperanças na volta da operação do aeroporto Salgado Filho, a partir do final de outubro. Zorzi afirma ainda que eles ainda não têm os cálculos dos prejuízos das vinícolas, dos hotéis e dos restaurantes com a queda no turismo. Com certeza, não são pequenos.
A boa notícia é que os vinhedos e a produção de uvas não foram afetados pelas águas porque estavam em fase de dormência e a próxima safra de 2025 deve ser boa. “Venham para o Vale, estamos prontos para recebê-los”, diz ele.
GRAMADO VOLTA COM TUDO!
As águas também não castigaram o centro turístico da charmosa cidade de Gramado, que em 2023 recebeu 8,3 milhões de visitantes e tem mais de 70 atrações. Os problemas causados pelas enchentes ocorreram no interior e nos bairros residenciais. A estrutura rodoviária se recuperou mais rápido do que os moradores previam e a cidade conseguiu até realizar o seu famoso Festival de Cinema, em agosto.

O trem Maria Fumaça é um dos passeios mais tradicionais em Bento Gonçalves
Porém, a ocupação de seus 24 mil leitos de hotéis foi apenas de 55% em julho, contra um percentual habitual de 80% nesta época do ano. E tanto os hotéis como os cerca de 300 restaurantes locais foram frequentados em sua grande maioria por turistas regionais. Números acanhados para uma cidade que realiza mais de 400 eventos públicos e privados por ano, além de ser o destino mais buscado pelos brasileiros para as férias de julho.

Foto: Cleiton Thiele/Divulgação
“Mas, pessoas de outros lugares do Brasil também vieram. Temos de ajoelhar e agradecê-las”, afirma Ricardinho Reginatto, secretário de Turismo de Gramado. Agosto e setembro normalmente são meses de baixa temporada. A ocupação hoteleira está em 40%. “Não é uma catástofre”, diz. Mas, ela pode melhorar e a confiança é grande. Afinal, o turismo é responsável por 86% da economia da cidade.
Segundo ele, a virada de chave será o Natal Luz, um dos eventos mais famosos de Gramado, que começa em 24 de outubro, três dias após a reabertura do aeroporto de Porto Alegre, e vai até 19 de janeiro de 2025. Em 2023, mais de 2 milhões de pessoas participaram da festa na cidade, que tem atrações para toda a família, como vila de Natal, fábrica e um grande desfile.

Primavera em Gramado traz a exuberância das ores
Foto: Cleiton Thiele/Divulgação
Para o secretário, será fundamental mostrar ao Brasil e ao mundo o Rio Grande do Sul funcionando novamente. Que as luzes do Natal em Gramado, prestes a serem acesas, simbolizem a nova fase.
O pior já passou e o povo gaúcho merece!