
O mundo ocidental acelerou muito nos últimos 30 anos, o que prejudica a saúde mental e a física. Deixe para amanhã o que não precisa fazer hoje. Mas, faça isso sem culpa!
• por Flavio Ferrari
Moro em São Paulo, capital. Outro dia, cruzei com um vizinho que saia agitado do elevador, carregando um par de pacotes. Baiano de origem, ele mora em São Paulo há três anos.
Cumprimentei-o e perguntei, quase afirmando, se ele estava atrasado para algum compromisso.
Para minha surpresa, ele interrompeu sua trajetória apressada e me respondeu: “Sabe que não?”
Ficamos ali, conversando por alguns minutos, sobre a vida acelerada, e de como ele havia se dado conta de que, em São Paulo, seu ritmo era outro.
A pressa, nem sempre era justificada, era um estado de espírito.
Mas isso não é uma questão regional. Uma matéria publicada pela revista Exame, em setembro de 2023, fez referência a uma pesquisa realizada pela startup Guia da Alma, segundo a qual mais de 60% dos brasileiros sentem alto nível de ansiedade.
Psicólogos, psiquiatras e a indústria farmacêutica não podem reclamar da demanda por seus serviços e produtos. Claro que não nos faltam razões para nos sentirmos ansiosos e corrermos para resolver todas as questões urgentes da vida. Mas, há uma razão maior para nos
preocuparmos com isso: a saúde.
Essa ansiedade patológica faz mal para a saúde
mental e física, o que não vai nos ajudar a resolver nossos problemas. Ao contrário, irá nos trazer mais alguns. Meu amigo baiano percebeu sua aceleração pelo
contraste com sua terra natal.
O mundo ocidental acelerou muito nos últimos 30
anos e nós, como sapos na água quente, não nos demos conta disso. É uma distorção do pensamento utilitarista. Tudo o que fazemos precisa ter um sentido prático. Até nossas férias foram contaminadas por esse pensa- mento. Temos que aproveitá-las para fazer cursos, visitar museus, conhecer novas culturas, ou nos obrigamos à estressante atividade de se divertir e aproveitar ao máximo, criando roteiros mirabolantes.
O sentido da vida passou a ser o de ocupar o nosso tempo com coisas úteis. Um pensamento taoísta é o de que não vale a pena nadar contra a corrente, e como esse utilitarismo distorcido, do espírito de nosso tempo, já nos contaminou, prefiro aproveitá-lo para posicionar minha sugestão.
Desacelere. Não há nada mais útil para se fazer no momento do que desacelerar. Mas você só irá ter certeza disso praticando. Deixe para amanhã o que não precisa fazer hoje. Mas, faça isso sem culpa, afinal é um exercício útil e o mundo não vai acabar por isso.
Contemple o nascer ou o pôr do sol, as flores, os pássaros, os pets ou qualquer outra coisa que lhe agrade. Só para lembrar, contemplar é observar sem nenhum objetivo específico.
Tive a oportunidade de viajar muito, e quando puxo pela memória, um dos momentos mais agradáveis foi passar um final de tarde em um café em Veneza, observando pessoas e pombos. Era a “tarde livre” de um congresso e optei por viver Veneza, em vez de correr para visitar o máximo de pontos turísticos da cidade, o que me fez muito bem na ocasião. E, quase 20 anos depois, lembro-me mais vividamente disso do que centenas de outras aventuras turísticas.
O que realmente precisamos na vida é um lugar para dormir, algo para comer, pessoas para querer e saúde para aproveitar. O resto pode esperar um pouco.
Flavio Ferrari é fundador da SocialData e professor da ESPM.