• por Flavio Ferrari
Quando procuramos algum sentido para a vida, fazer algo significativo é encontrar um significado no que se faz!
A eterna busca do sentido da vida anima e angústia os humanos desde sempre, e os acompanha durante toda sua jornada individual na Terra.
Søren Kierkegaard (1813-1855), filósofo dinamarquês apontado como um dos primeiros existencialistas, observava três caminhos usuais para atenuação dessa angústia: o prazer, a ética e a religião.
Buscar o que nos dá prazer, fazer o que é certo ou partir em busca de uma verdade maior (o belo, o bom e o verdadeiro) parecem ser, de uma forma genérica, as “soluções” que a humanidade encontra para esse desafio.
Individualmente, entretanto, procuramos encontrar um significado para nossa vida, uma preocupação que vem se acentuando neste início de século e ganhou mais força durante o recente enfrentamento da pandemia da covid-19. Queremos fazer coisas significativas para que a vida tenha sentido.
Claro que, como diria Maslow (1908-1970), o psicólogo estadunidense famoso por sua pirâmide da hierarquia das necessidades, a busca de um propósito para existência só encontra espaço quando as necessidades básicas (fisiológicas e de segurança) estão razoavelmente endereçadas.Quem luta para sobreviver tem mais o que fazer do que elucubrar sobre os mistérios da existência.
Posso supor que você, que está lendo o texto agora, não está sendo consumido pelos desafios da base da pirâmide de Maslow. Logo, se qualifica, momentaneamente, para a busca de um significado para sua vida.
A sequência proposta por Kierkegaard costuma ter uma boa correlação com o tempo de vida.Pessoas mais jovens tendem a priorizar o prazer imediato ou a serem torturadas por sua ausência. Na meia idade, somos absorvidos por nossas responsabilidades (trabalho, família, sociedade) e tentamos fazer o que nos parece correto ou nos deixamos consumir pela culpa do fracasso e de eventuais pecados. Um pouco mais tarde, já vislumbrando o final de nossa jornada no planeta e tendo a morte como conselheira, revisamos nossa escala de valores e não é incomum abrirmos espaço para a espiritualidade, um olhar além do mundo material.
Mas há quem subverta essa ordem, ao sabor dos ventos e tempestades que animam sua história pessoal. O importante é que, a qualquer momento e fase da vida, atendidas as necessidades básicas, o desejo de fazer coisas significativas nos assalta. Queremos relacionamentos significativos, e buscamos significar algo para o mundo e para nós, rumo ao topo da pirâmide. Entretanto, estabelecer parâmetros para avaliar a relevância da nossa existência parece ser algo condicionado ao conhecimento do sentido da própria existência o que, segundo todos os grandes filósofos que trataram do assunto (ou pelo menos os que pude acessar), não é algo que sejamos capazes de alcançar racionalmente. Há que se desenvolver a fé em algo maior, com ou sem a intermediação das religiões.A palavra religião, vale comentar, vem de “religar” e, essencialmente, é essa conexão com o sentido perdido da existência que as religiões oferecem.
Mas, se nossa busca cotidiana é intelectual e, portanto, limitada pela razão que não seria capaz de estabelecer uma resposta para o sentido da vida, talvez valha a pena inverter esse processo e estabelecermos, nós mesmos, um significado para o que fazemos.
Vamos a um exemplo simples, falando de nossa relação com o trabalho.
A ideia de que “eu trabalho para pagar minhas contas”, que poderia ser vista como uma relação insípida e desmotivada com o trabalho, ganha outra dimensão quando consideramos que “pagar as contas” é fundamental para a sobrevivência (está na base da pirâmide de Maslow) e é o que permite que alcemos outros voos.
Se você ganhou na loteria ou nasceu em uma família rica, não precisando se preocupar com o pagamento das contas, talvez precise buscar um trabalho com propósito intrínseco e enfrentar as questões relacionadas ao sentido da vida.
Mas se é um mortal comum, não há significado maior para o trabalho do que pagar suas contas, garantir que suas necessidades fisiológicas e de segurança sejam atendidas. Nada é mais importante do que isso, de fato, e podemos atribuir esse significado para o trabalho.
Aliás, talvez atribuir não seja a melhor palavra. Encontrar é o temo mais adequado.
Tudo que desejamos fazer, ou que precisamos (nos sentimos obrigados) a fazer, tem seu significado.
Descobrir esses significados, invertendo o caminho da busca, pode nos levar mais perto de conhecer o sentido da vida.
Flavio Ferrari é fundador da SocialData e professor da ESPM.