
No Brasil, o quarto maior mercado do mundo em volume de dados, já são 120 milhões de usuários na internet. E essa interação, quando desenfreada, pode afetar trabalho, relacionamentos e viagens, causando sintomas de dependência digital. Faça o teste!
Mídias sociais
por Fábio Steinberg
Conectados, mas isolados!
Não faz tanto tempo, quem embarcava para algum destino mais distante praticamente se desconectava de casa, da família, dos amigos e do trabalho. As comunicações, quando existiam, eram precárias. As ligações interurbanas, quando disponíveis, eram caras e demoravam completar. O viajante dependia do correio para fazer chegar, às vezes vários dias depois, a sua correspondência. Era a época de ouro dos cartões-postais, um produto que sumiu das prateleiras assim como galochas e caneta tinteiro.
Sucessivas tecnologias revolucionaram as conexões em viagens. Assim como o cartão de crédito um dia permitiu levar pouco dinheiro no bolso, o celular extinguiu a dependência do telefone fixo. A internet completou o serviço: deu asas à comunicação, que se tornou disponível e barata.
Poucos anos depois, chegaram os aplicativos capazes de ajudar a encontrar e reservar passagens aéreas, hotéis e restaurantes em qualquer ponto do planeta. E com ele, apareceram as mídias sociais, que tornaram trivial fazer contato e conversar online. Facebook, Instagram, LinkedIn, Twitter, WhatsApp, Youtube, Snapchat, Pinterest entraram no cotidiano com a mesma naturalidade com que as pessoas comem ou escovam os dentes.
Hoje, todo mundo encontra todo mundo, a qualquer momento e lugar. Não importa se alguém está no meio de uma floresta tropical da Costa Rica, visitando um museu no Egito, no meio de uma rua na Tailândia, em algum lugar da moda em Nova York, um quarto de hotel em Belém, ou acampado em uma praia deserta em ilha isolada do Pacífico.
Com uma população mundial que beira os 8 bilhões, quase metade tem acesso à internet. Destes, 3 bilhões de terráqueos frequentam as redes sociais, número que é ampliado em mais 120 milhões a cada trimestre. Cada um dos internautas tem em média oito contas, que se multiplicam por inumeráveis posts instantâneos e simultâneos.
Só os 2 bilhões de usuários do Facebook e 900 milhões do WhatsApp produzem 60 bilhões de mensagens por dia. Some-se a isto os 1,5 bilhão de de usuários do Youtube, os 800 milhões do Instagram, os 500 milhões do LinkedIn, os 330 milhões do Twitter. Isso sem falar no Google, que processa 40 mil pesquisas por segundo, 3,5 bilhões por dia, 1,2 trilhão por ano. E isso para citar apenas as principais mídias sociais.
O Brasil não está imune a essa corrente poderosa. Conta com 120 milhões de usuários de internet. É o quarto maior volume do mundo, só ultrapassado pelos Estados Unidos, Índia e China. Além disso, é o segundo maior usuário do WhatsApp, pois perde apenas para a África do Sul. Estima-se que cada pessoa gaste 30% do seu tempo online em redes sociais. Em média são duas horas por dia, número que cresce para três horas entre jovens de 15 e 19 anos. Para tristeza das empresas, estima-se que 70% do tempo do uso da internet no trabalho não têm nada a ver com as atividades profissionais.

Foto: Shutterstock.com
Mundo real x virtual?
Esse uso desenfreado, crescente e sem limites começa a tornar a vida impossível. E, em especial, tende a afetar os relacionamentos. Surgiu assim um novo tipo de comportamento: gente que está fisicamente presente, mas emocionalmente distante, comprometida com o mundo virtual. São pessoas capazes de gastar mais tempo em relações digitais com amigos, seguidores, e até estranhos, do que com quem está ao seu lado.
Com isso, casamentos são desfeitos. Sim, o uso sem limites das redes sociais, principalmente nas férias, tornou-se motivo de separação de casais. Uma pesquisa do escritório de advocacia londrino Brookman descobriu que nas viagens cada vez mais clientes se queixam dos parceiros “ausentes-presentes”. Dos entrevistados, 60% contaram que, em vez de curtir a viagem, o acompanhante não parava de acessar as mídias sociais. Cerca de 25% reclamaram de viciados seriais, capazes de se desligar do mundo real incontáveis vezes por dia.
Jovens começam a apresentar sintomas de desequilíbrio mental. O estrago parece ser maior entre usuários do Instagram. Um estudo com meninos e meninas entre 14 e 24 anos descobriu que o compartilhamento de fotos pode impactar negativamente a própria imagem do corpo, afetar o sono e gerar medo de isolamento. Muitos deles revelaram que se sentem apavorados e excluídos se não postarem dezenas de selfies por dia no Facebook.
Nenhuma atividade é mais afetada por essa intoxicação digital que a de viagens e turismo. O que antes parecia uma promissora evolução da tecnologia para facilitar as comunicações nos trajetos, hoje começa a se transformar em pesadelo. Muito mais ocupados em interagir nas redes sociais, passageiros parecem menos interessados em curtir paisagens, ouvir explicações dos guias ou se socializar. É como se houvesse uma regra não escrita de que uma experiência só se torna verdadeira se for registrada e compartilhada na mesma hora.
Essa dependência digital – que especialistas já comparam ao álcool, drogas ou superalimentação – afeta, não apenas comportamentos individuais, mas coletivos. Há efeitos colaterais, desde perda de sono, ansiedade, depressão, irritação, até prejuízos no trabalho e estudos. Por conta disso, surgem organizações especializadas em livrar os viciados da intoxicação digital (veja o teste à pág. xx).
Como controlar?
Mas, calma lá. Nem sempre muito tempo dedicado às redes sociais caracteriza alguma patologia. Um estudo da Universidade de Connecticut concluiu que a situação só se torna grave quando o comportamento extravasa em excesso para o lazer e se replica em fins de semana, feriados e férias.
O mesmo trabalho avalia ainda que algumas pessoas têm menor risco de dependência, pois buscam nas redes apenas informação. O preocupante é usar as redes sociais em busca de felicidade, realização pessoal ou sentir-se parte de algo que falta em sua existência.
Para preservar a qualidade de vida e relacionamentos intactos durante as viagens, há três gradações de medidas. A primeira é radical: não levar o smartphone, principalmente em saídas curtas ou passeios com amigos ou familiares.
Uma alternativa mediana é usar o dispositivo no modo avião (sem receber dados). Já em casos graves, quando o usuário receia crises de abstinência, é melhor estabelecer um acesso controlado às mídias sociais. Por exemplo, não mais que dois minutos, duas vezes por dia. E assim como ocorre com cigarro ou bebida, fugir de situações que levem à recaída no vício.