
No embalo das nossas 50 edições, trazemos uma retrospectiva da indústria da hospitalidade, relembrando como era voar e se hospedar nos hotéis ao redor do mundo nas últimas décadas. Especialistas também apontam as principais tendências do setor. É um roteiro fascinante!
Mercado
por Fábio Steinberg
De volta para o futuro
Anos 1950. O mundo respira, aliviado, o fim da Segunda Guerra Mundial. No entanto, as pessoas mal percebem a aproximação de duas novas guerras, menos convencionais. A primeira será comportamental. A outra, tecnológica. Ambas terão o imenso poder de alterar a maneira como os homens vivem, se relacionam entre si e com o planeta.
É nesta época dourada para o cinema que a televisão chega ao Brasil, enquanto a ciência comemora a descoberta do DNA, a vacina da poliomielite e o lançamento pelos russos do satélite Sputnik. É ainda na mesma década que o Brasil perde a Copa do Mundo para o Uruguai, e oito anos depois ganha o título de campeão de futebol. Ah, e é também quando começa a Fórmula 1.
Os donos do poder mundial são Dwight Eisenhower, Estados Unidos, Nikita Khrushchev, na URSS, Mao Tsé Tung na China, e Winston Churchill, no Reino Unido. Pio 12 é o papa. No Brasil, Getulio Vargas e, a seguir, Juscelino Kubitschek presidem o país. Nos Estados Unidos o rock and roll pega fogo com Bill Haley, Elvis Presley, Chuck Berry e Little Richard. Aqui, a bossa nova dá os primeiros passos. Gene Kelly dança no filme Cantando na Chuva e Charles Chaplin estreia Luzes da Ribalta. A Sony lança o primeiro rádio portátil transistorizado. Fidel Castro lidera a revolução cubana. A boneca Barbie é inventada.

Foto: Divulgação
Aviação glamourosa
O mundo, agora em paz, permite que a economia se desenvolva e democratize o turismo, as viagens e a indústria de hospitalidade. Os hotéis que até então conviviam com taxas de ocupação de 50% agora celebram índices de até 90%. É nesse cenário que as primeiras companhias aéreas surgem e se expandem. Nos anos seguintes, voar vai deixar de ser símbolo de status e uma experiência por si para se tornar meio de transporte.
Os anos 1950 foram heroicos para a aviação comercial. As primeiras aeronaves, apesar de barulhentas e instáveis, eram confortáveis e luxuosas. Pilotos e atendentes de bordo eram profissionais privilegiados e invejados. É verdade que pegar avião era considerado um ato de coragem, pois a segurança de voo ainda não era vista como prioridade.
Mas nem mesmo a frequência de acidentes, as inúmeras escalas e o imenso tempo de voo afastaram os passageiros. Graças a isso, a aviação comercial decolou. “Foi provavelmente a época mais glamourosa, talvez só comparável à era dos dirigíveis”, avalia Adalberto Febeliano, profissional com 25 anos de experiência em aviação e professor de economia do transporte aéreo. Ele acrescenta que nessa fase o preço das passagens era proibitivo, coisa para pessoas de alta renda. A bordo, talheres, pratos e taças de qualidade em refeições caprichadas faziam parte do glamour. Com álcool liberado, era comum passageiros desembarcarem totalmente bêbados. Fumar no voo não só era permitido, como era visto como charmoso. Banheiros espaçosos e espaços de convivência substituíam o atual entretenimento de bordo.
Com o desenvolvimento do mercado, a aviação comercial deixou de ser um subproduto da aviação militar. Ganhou vida própria. As companhias aéreas passaram a encomendar aeronaves desenhadas para a aviação civil, e não mais usar aviões militares modificados para transporte de passageiros. Primeiro vieram os movidos a hélice. A seguir, os turboélices, se possível quadrimotores para garantir se algum deles não funcionasse no caminho. Novas tecnologias viabilizaram os jatos com mais autonomia. E assim em 1958 nasceu o 707. Primeiro jato de passageiros de sucesso, transformou a Boeing na maior fabricante de aviões do mundo.
Dois modelos de supersônicos para uso civil, o soviético Tupolev e o franco-britânico Concorde, não tiveram muita sorte. Inviáveis, foram enfim aposentados. “O principal fator que mudou a aviação civil foi o desenvolvimento dos aviões a jato, que voavam a velocidades maiores e que eram muito mais confiáveis. É dessa época que deriva o termo jet set: grupo exclusivo de pessoas que podia se dar ao luxo de jantar em Paris e tomar o café da manhã em Nova York”, comenta Febeliano. Ele agrega que o outro grande impulso na aviação internacional foi o lançamento dos aviões de fuselagem larga (wide bodies), principalmente o 747. O transporte de muitos passageiros e a grande quantidade de carga permitiram a redução de tarifas, popularizando o setor aéreo.

Foto: Belmond Images
Mundo em trânsito
Já a evolução dos hotéis a partir dos anos 1950 não é menos fascinante. Com mais gente comprando carros, aumentaram as viagens tanto a trabalho quanto a lazer. Essa nova clientela levou a repensar o modelo de negócios hoteleiro, até então com foco em cassinos. Antes, ao entrar no lobby, o primeiro ponto de contato eram as áreas de jogo. Não era incomum hóspedes fazerem suas apostas antes mesmo de chegar ao balcão do check-in.
Essa transformação dos hotéis também ocorreu no Brasil, mas de forma um pouco diferente. “No pós-guerra, os projetos arquitetônicos trocaram a influência europeia clássica pelo modernismo norte-americano, com linhas limpas, sem ornamentação, fachadas em concreto aparente, vidro e aço, edifícios altos. Essa mesma tendência é observada nos designs dos cômodos, móveis, louça, enxoval e artes em geral”, explica Caio Calfat, um dos mais respeitados consultores em hotelaria do mercado. Caio revela que situação similar ocorreu com os serviços. As escolas portuguesa e espanhola que predominavam entre os executivos dos hotéis foram também substituídas pelo modelo norte-americano. Assim, chefias intermediárias deram lugar a gerências com maior responsabilidade. Eliminaram-se, dessa forma, cargos nos restaurantes (mordomos, lacaios) e voltados ao atendimento direto aos hóspedes (valet-de-chambre), presentes nos hotéis de luxo das décadas anteriores, reduzindo custos.
Com a presença crescente de famílias em viagem, os amenities se adaptaram ao novo perfil de hóspede. Eram oferecidos kits de costura, secadores de roupa retráteis nos banheiros, xampus e chocolate à noite sobre os travesseiros, entre outros agrados. A novidade seguinte foi o minibar, seguido por máquinas de gelo e de vendas de mercadorias, além do room service. É dessa época também a invasão de TVs a cores nos apartamentos, tornando-se um tremendo diferencial competitivo.

Foto: Shutterstock.com
Alta tecnologia
O pagamento por cartão de crédito só vai se popularizar nos anos 1990. Os dez anos seguintes se caracterizam pelo boom tecnológico, permitindo também a reserva de hotéis pela internet diretamente nos sites dos hotéis. Na virada do século, aparecem os quartos com wi-fi, primeiro desenvolvidos para viajantes de negócios e depois virando item indispensável para qualquer hóspede.
Hoje a lista de mordomias se tornou extensa e diversificada. A cada dia surgem novas, como permitir que o hóspede traga o seu animal de estimação. “A evolução da hotelaria proporcionou a segmentação, com a adoção de nova classificação em substituição às antigas estrelas”, explica Caio Calfat. “Os hotéis budget oferecem apartamentos com espaços reduzidos, sem serviços de mensageiros e room-service, porém com o essencial: boa qualidade de cama, banho e café da manhã. As tipologias acompanham os padrões com aumento das áreas internas dos apartamentos e oferta dos serviços em função dos empreendimentos midscale, upper midscale, upscale, upper upscale e luxury. À medida que os projetos crescem de padrão, mais serviços são agregados”, ele completa.
A indústria de hospitalidade – em terra, ar ou mar – é um organismo vivo que está em contínua evolução. Como espelho, reflete em seus produtos e serviços os hábitos, necessidades e interesses dos clientes. Por isso, o seu desenvolvimento se confunde com as próprias características da sociedade, cada vez mais globalizada e conectada. Neste contexto, o seu maior desafio para o futuro é se conectar com o hóspede, atender suas exigências e conquistar a sua lealdade. É uma questão vital, pois o consumidor de hoje detém o poder total da decisão.