
Sete navios, incluindo o mega MSC Seaview, vão cruzar os mares do Sul na temporada de 2018/2019, oferecendo 133 roteiros na costa brasileira e 26 mil leitos. Apesar do boom internacional desse mercado de cinco estrelas flutuantes, o Brasil ainda não explora o seu potencial!
Tempo de navegar
por Fabio Steinberg
Há 50 anos, os navios marítimos de passageiros serviam principalmente como meio de transporte para atravessar oceanos. Com o desenvolvimento da aviação comercial, teriam tudo para perder sua importância. Até que surgiu a ideia de explorar a frota para passar férias a bordo. Assim nasceu a indústria de cruzeiros.
Desde então, o setor não para de crescer. No momento, vive tremendo boom. Nunca se viu tanto navio em construção. Até 2026 mais 100 transatlânticos entrarão em operação, com oferta de 250 mil leitos. De acordo com a CLIA, associação do setor, esse mercado atinge US$ 126 bilhões e gera 1 bilhão de empregos. O total de passageiros também cresceu 63% em menos de dez anos, e já chega a 28 milhões de pessoas.
A MSC Cruzeiros é um exemplo da expansão. Com ambicioso plano de investimentos de 13,6 bilhões de euros, deve construir 17 navios até 2027. Destes, 13 fazem parte de uma nova geração, como o Seaside, prestes a chegar ao Brasil.
“Viajar de cruzeiro é uma modalidade democrática, porque inclui hospedagem, transporte, alimentação e entretenimento. O amplo portfólio permite atender aos mais diversos perfis socioeconômicos e culturais”, explica Ricardo Amaral, da R11 Travel. Ele representa, entre outras, a gigantesca Royal Caribbean.

Foto: Divulgação
Essa multidão de cruzeiristas embarca principalmente nas águas do Caribe (35%), Mediterrâneo (15%) e Europa (11%). Os demais países se tornam cada dia mais competitivos, entre eles China, Austrália, Nova Zelândia e Alasca.
A América Latina, apesar do potencial, ainda representa franja do movimento: não mais que 2%. Contrasta com o que ocorreu na Austrália. Há cinco anos não era importante. Hoje ocupa 5% do mercado mundial, com 10 milhões de passageiros – cerca de 20 vezes mais que o Brasil.
Existem cinco categorias de cruzeiros, explica Marco Ferraz, presidente da CLIA no Brasil. O mais popular, inclusive no Brasil, é o contemporâneo. Ao transportar milhares de passageiros, consegue manter tickets baixos, em média menos de US$ 400/dia. Já o tipo premium envolve gastos acima de US$ 400, numa progressão de custos até alcançar o luxo, sem limite de valores. Somam-se ainda os cruzeiros fluviais, comuns na Europa e Ásia, e os de expedição, como os da Antártida.
Há benefícios para cada tipo de cruzeiro. Por exemplo, os meganavios dispõem de mais amenidades, restaurantes e entretenimento, e com isso ocupam o lazer em tempo integral. Já nos navios menores é possível desembarcar em portos inacessíveis aos maiores, e oferecem maior personalização dos serviços.
Maré baixa
O Brasil, apesar da generosa costa oceânica e rios navegáveis, não ocupa o lugar que merece. Uma série de fatores conspira contra. O casco está abalroado por desestímulos oficiais, legislação caduca, burocracia perversa e custos altos, entre outros.
Apesar disso, o setor de cruzeiros luta heroicamente para não deixar o barco afundar no país. Pelo menos dois dos 50 armadores internacionais associados à CLIA, Costa Cruzeiros e MSC, nunca abandonaram as águas brasileiras. “Hoje, o segmento ainda é um nicho pequeno dentro da indústria global. O nosso maior desafio é expandir o número de turistas”, co- menta Renê Hermann, veterano diretor geral da Costa Cruzeiros, empresa presente no Brasil há 70 anos.
Que fatores impedem o deslanche dos cruzeiros no país? Marco Ferraz, da CLIA, cita alguns: falta de infraestrutura, impostos exorbitantes, regulação trabalhista e custos operacionais extemporâneos.
O problema começa pela dificuldade de destinos para atracação dos navios, como ausência de dragagem e pier. “Ainda temos um grande desafio de infraestrutura portuária. Apesar de 7,3 mil km de costa e destinos fascinantes, hoje só 15 podem recebem navios de cruzeiro”, explica Adrian Ursili, diretor geral da MSC no Brasil.

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Ferraz destaca que as cartas náuticas estão desatualizadas, algumas com mais de 60 anos. Impera a inapetência oficial, com reduzido apelo turístico dos locais e perdas de oportunidades de negócios. Por exemplo, em muitos destinos o comércio está fechado durante o tempo dos passageiros em terra.
A boa notícia é que isso está mudando. “Algumas cidades com potencial para receber navios já estão se planejando, depois de tomar consciência das oportunidades e o desenvolvimento econômico que os cruzeiros trazem”, revela Estela Farina. Ela é gerente geral da NCL (Norwegian Cruise Lines), uma peso-pesado com 26 navios e seis em construção.
Os impostos causam grande desvantagem em relação a outros países. Por exemplo, no Brasil as mercadorias vendidas nos navios são sempre taxadas em 35%, e o combustível, em 18%. Enquanto isso, estes itens são isentos de impostos no exterior.
A regulação trabalhista é outra situação “jaboticaba” – só existe no Brasil. Tripulantes contratados no país, apesar de sujeitos às leis internacionais, no desligamento querem obter os benefícios da legislação brasileira. Essa ambiguidade é fonte de 1,4 mil disputas na Justiça, e trazem prejuízos à indústria de R$ 150 milhões. Há também a exigência dos sindicatos de portos de contratações três vezes acima do adotado no exterior. Da mesma forma os serviços de praticagem são extorsivos: custam quatro vezes mais que em outros países. A integração com a aviação, vital para o acesso de todo o país aos cruzeiros, ainda deixa a desejar. Faltam voos, assentos e preços acessíveis. Para piorar, o presidente da CLIA estima que o custo Brasil torna os cruzeiros 40% mais caros que no resto do mundo.

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Nem sempre foi assim. Nos últimos 20 anos, o mercado de cruzeiros marítimos parecia crescer de vento em popa. Embaladas por promessas públicas de investimentos em infraestrutura, grandes empresas globais, como Costa Cruzeiros, MSC e Royal Caribbean, trouxeram ao país seus melhores navios.
Na temporada 2010/2011, 20 navios chegaram ao país para atender mais de 800 mil passageiros. Desde então, os números caíram. De 2016 para cá persistem sete embarcações, frequentadas por 400 mil passageiros – metade de oito anos atrás.
Onde foi parar este exército de cruzeiristas brasileiros sumidos? Pelo menos 125 mil deles (25%) escolheram destinos internacionais. A indústria explica o fato de forma otimista. Eles teriam se encantado tanto com o produto que quiseram expandir suas experiências náuticas no exterior. Para Hermann, da Costa Cruzeiros, diferente da operação no Brasil que se estende por alguns meses, a europeia dura o ano inteiro. Portanto, abre mais alternativas de embarque.
Ricardo Amaral, da R11 Travel, credita essa tendência por experiências internacionais a um movimento natural de evolução. “Os brasileiros querem conhecer novos roteiros e lugares, com diferenciais na gastronomia, atendimento, estrutura dos portos em uma boa relação custo-benefício.”
Por que empresas do porte da NCL e Royal Caribbean não operam também no Brasil? “A limitação de estrutura, custo operacional e inseguranças jurídicas dificultam a decisão”, explica Estela Farina, da NCL. “Infelizmente, a operação no Brasil tem um custo maior do que em outros mercados. A complexidade tributária e trabalhista prejudica a competitividade do Brasil”, complementa Ricardo Amaral, da Royal Caribbean.
Enquanto o Brasil pisca, os cruzeiros no exterior arregalam os olhos. Não faltam viagens para todos os gostos, em pequenos ou grandes navios. Isso é muito perceptível no segmento do luxo. Dois exemplos são as agências Pier 1 e Velle. Ambas representam cruzeiros sofisticados. “Há um aumento pelo interesse nos cruzeiros fluviais pelos rios da Europa”, revela Thiago Vasconcelos, da Pier 1. Ricardo Alves, da Velle, comenta que esse tipo de cruzeiro de rio atrai um perfil de viajante mais experiente, com interesse em cultura e gastronomia. “Já os cruzeiros marítimos são voltados aos que buscam desbravar destinos, mas não abrem mão do luxo e conforto ao visitar destinos exóticos, como Pólo Norte, Ártico ou fiordes noruegueses”.

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Enquanto isso, o Brasil permanece no radar do futuro, a espera de ventos favoráveis. As empresas presentes continuam a apostar no país. Em 2018/2019 serão sete navios com 26 mil leitos, que percorrerão 133 roteiros com 570 escalas. Trata-se de um bom crescimento de 15% em relação ao ano anterior.
Para melhorar a receita, Marco Ferraz, da CLIA, sonha em adicionar um destino por ano. Como Florianópolis, que foi agregada na temporada anterior. Estão na mira São Francisco do Sul (Santa Catarina), Arraial do Cabo (Rio de Janeiro), Guarapari e Vitória (Espírito Santo), Barra Grande, Morro de São Paulo e Itaparica (Bahia) e Aracaju (Sergipe).
“O viajante está mais ciente das vantagens dos cruzeiros marítimos. Eles são verdadeiros destinos em si, englobando em um único ambiente uma estrutura de hotelaria cinco estrelas com gastronomia e entretenimento diversificado”, explica Renê Hermann. “Este é o momento para se trabalhar de forma mais estratégica para ampliar a capacidade no Brasil e região, gerar mais empregos e movimentar as economias locais”, completa.
“Não faz sentido o Brasil estar fora do centro do mercado mundial de cruzeiros. Poucos países possuem um potencial tão grande e tão mal realizado”, acrescenta Estela Farina.
“O Brasil é estratégico para a MSC Cruzeiros, onde é líder de mercado. Continuamos a apostar no potencial do país. A cada temporada, aumentamos a participação, trazendo o que há de melhor e mais moderno na indústria”, conclui Adrian Ursilli.
Cruzeiros temáticos: a melhor opção
Antenados às tendências, os cruzeiros estão em eterna busca por novas fórmulas. De sua vocação original como meio de transporte, o navio virou um destino em si. É neste contexto que se inclui a tematização. Do assunto, ninguém entende mais do que Francisco Ancona. Desde 1994, ele idealiza os projetos temáticos mais bem-sucedidos no Brasil. Chegou a organizar dez deles numa temporada, e suas ideias já foram exportadas para a Europa.
Ele explica que os cruzeiros investem em duas frentes. A primeira é o hardware – novas gerações de navios, com serviços e equipamentos inovadores. A segunda é o software – onde entretenimento e gastronomia têm destaque. “Tematizar cruzeiros é uma ferramenta poderosa para atrair segmentos específicos”, comenta. Essas experiências vão de eventos dançantes, fitness, bem-estar, beleza, saúde, gastronomia, e encontro com celebridades, ou por tipo de público, entre outros. “O potencial dos temáticos é gigantesco. Alia aos cruzeiros as tendências de consumo, comportamento, estilo de vida e show business”, resume Ancona.
Crianças gourmet a bordo
A imensa onda gastronômica que se tornou mania mundial invadiu o universo infantil. A primeira empresa a captar a tendência foi a MSC Cruzeiros. Lançou o projeto MasterChef Juniors at Sea, depois do sucesso da competição culinária a bordo para adultos no ano passado. Trata-se de uma versão para crianças, entre 5 e 12 anos, criada pela Endemol Shine Group. É dividida em duas etapas. Na primeira, há uma aula interativa com um chef. Ele dá dicas para fazer pratos saudáveis e saborosos, com direito a certificado.
Os participantes mirins são convidados então a uma segunda etapa. Em um show ao vivo no teatro principal do navio, 20 crianças selecionadas precisam criar uma receita própria a partir de ingredientes fornecidos. Disponível no MSC Seaview, um navio com design inovador e 11 tipos diferentes de cabines, o projeto fará parte de toda a frota da empresa a partir de março de 2019.
Cruzeiro único pela Amazônia
O Iberostar Gran Amazon é mais que navio. É um hotel cinco estrelas que utua. Navega o ano inteiro pelos rios Negro e Solimões, afluentes do Amazonas. Com 82 metros de cumprimento e 16 metros de largura, tem o casco em forma de balsa ideal para seu tipo de uso e conforto do viajante. Os dois motores possuem hélices que fazem o papel de leme, capazes de girar 360o para manobrar em canais estreitos e atracar em portos sem ajuda de rebocadores.
Recente reforma de US$ 1 milhão agregou várias melhorias técnicas, explica Orlando Giglio, diretor da empresa. Entre as novidades, há um novo sistema de ar condicionado, além de pintura e um bar no deck com jacuzzi. O navio cumpre dois itinerários. O primeiro leva três noites pelo rio Solimões, enquanto o segundo é de quatro noites no rio Negro. Com capacidade para até 150 hóspedes em 76 cabines, o passageiro é atendido por uma equipe de até 80 profissionais, com gastronomia caprichada.