
É impossível pensar com objetividade? Somos inclinados a colecionar provas que confirmem nossas crenças, seja fazendo pesquisa ou interpretando fatos de forma indutiva. Simplesmente ignoramos, desqualificamos ou condenamos à morte (hoje em dia, ao cancelamento) o que contraria nossas convicções
• por Flavio Ferrar
Confiar em nossos julgamentos e conclusões é uma necessidade psicológica e, geralmente, considerado um sinal de sanidade mental. Estamos falando de coisas tão simples como a ideia de que as plantas nascem das sementes, quando cultivadas em determinadas condições (uma pequena “descoberta” que transformou a forma de vida da humanidade), até questões mais sofisticadas como a origem do Universo.
De um modo geral, seguimos dois caminhos para construir nossas certezas: a dedução e a indução.
Dedução é o que acontece quando observamos um fenômeno indiscutível em sua totalidade e procuramos interpretá-lo e decifrá-lo. Um bom exemplo disso é o nascer e o pôr do sol, que acontece todos os dias, inexoravelmente, e que nos levou a deduzir, num primeiro momento, que ele estaria girando em torno da Terra.
Indução é o que acontece quando observamos diversos fenômenos isolados e somos conduzidos à formulação de uma tese. Podemos tomar o caso das plantas como exemplo, quando analisamos diversas plantas que começam a brotar e encontramos vários casos nos quais a planta parece surgir de uma semente, concluindo que esse deve ser o processo de reprodução das plantas, mas que não acontece em todas as situações, o que nos leva a explorar quais seriam as condições necessárias para cada tipo de semente.
Em ambos os casos, citados, procuramos repetir experimentos e reunir informações para validar (ou não) nossas hipóteses, e isso é o que chamamos de processo científico, que acreditamos ser a forma mais objetiva para construção de conhecimento.
Mas, a questão é que a objetividade, esse foco desapaixonado sobre o objeto de estudo, parece não ser uma vocação humana. Nosso pensamento tem seus vieses.
Passamos milênios acreditando que o Sol girava em torno da Terra e reunindo evidências que comprovavam
essa certeza, que só começou a ser transformada há 500
anos, com a coragem e a convicção de alguns grandes
pensadores e, a partir desse ponto, começamos a buscar evidências de que essa tese poderia ser verdadeira.
Essa nova certeza só foi verdadeiramente consolidada
há cerca de 300 anos.
Chamamos esse fenômeno do comportamento humano de viés de confirmação. Somos naturalmente inclinados a colecionar provas que confirmem nossas crenças, seja fazendo pesquisa, seja interpretando fatos de forma indutiva. Simplesmente ignoramos, desqualificamos ou condenamos à morte (hoje em dia, ao cancelamento) o que contraria nossas convicções.
Se parece difícil acreditar, pessoalmente, que agimos dessa forma, basta olhar a nossa volta e identificar outras pessoas defendendo seus pontos de vista. Argumentos ou hipóteses contrárias raramente recebem a atenção merecida (para dizer o mínimo).
Esse não é o único viés que acomete nossos processos analíticos.
No dia a dia, somos doutrinados a concordar com teses geralmente aceitas, mesmo que não tenhamos qualquer evidência pessoal que nos garanta sua veracidade.
Tendemos a nos prender às primeiras informações que recebemos e às impressões e conclusões iniciais. Tomamos exceções como regras e prestamos mais atenção ao extraordinário do que ao ordinário. Elegemos “autoridades” com as quais concordamos e tomamos seus argumentos como evidência confirmatória.
Nessas condições, o distanciamento necessário para a prática da arte da objetividade não parece possível.
A tese que apresento é indutiva, nasceu da observação de diversos fenômenos do dia a dia, foi corroborada pela perspectiva histórica e é suportada por inúmeras pesquisas recentes, conduzidas por psicólogos, sociólogos e neurocientistas, em sua maioria.
Poderia incluir aqui uma infindável lista de exemplos de certezas que foram desconstruídas ao longo dos séculos, em variadas áreas de conhecimento, da cosmologia (Terra plana, geocentrismo) à medicina (medicamentos descontinuados, alimentos que passam de vilões a heróis), passando pela comunicação (fake news) e pela tecnologia (substituição do homem pela máquina).
Poderia também citar autores renomados (Kant, Hobbes, Morin) que, partindo de perspectivas distintas, chegam a conclusões semelhantes. Ou apresentar exemplos que estão na mídia cotidiana.
Mas, se minha tese está correta, eu incorreria nos mesmos vieses que estou postulando.