A cidade sagrada Quilmes
- por Adilson Nascimento
Na Ruta Nacional 40, que corta a Argentina de norte a sul, seguindo o caminho para Cafayate (aproximadamente uma hora de Salta), tendo as montanhas do Valle Calchaquíes como guardiãs, situam-se as Ruínas dos Quilmes, morada e fortaleza dos índios calchaquies e quilmes (ou Kilmes), uma tribo pré-hispânica e pré-incaica.
Um dos sítios arqueológicos mais importantes do país, as ruínas foram descobertas em 1908 e restauradas em 1978. Hoje, pode-se visitar parte das Ruínas de Quilmes, o correspondente a cerca de 10 % aproximadamente. Importante iniciar a visita pelo Centro de Interpretação e o Museu, para que de fato se tenha noção de quem foi esse admirável povo, cruelmente quase dizimado. Neste fantástico museu, pode-se ver fotos e animações, inclusive em 3D, que nos remetem a origem e construção da cidade, como eram as vestimentas, como se alimentavam, a hierarquia social dentre outros aspectos, além de objetos encontrados nas ruínas, como vasos de cremação, utensílios domésticos, ferramentas e etc, além da exibição de um documentário audiovisual muito bem produzido (onde apenas nativos atuam) que narra com muita emoção e competência a trajetória do povo Quilmes .
Caminhar por estas terras na Ciudad Sagrada Quilmes, é não só encontrar os vestígios arqueológicos monumentais dessa antiga comunidade andina, mas também dialogar e refletir sobre os aspectos de dominação e resistência vivenciada por esse povo, que resistiu as invasões incas no século XV (Os incas entraram nesta região nos anos 1480 e os 50 anos depois foram de muita luta) e hispânicas (os espanhóis chegam nos anos 1534 e portanto, seguiu-se mais de 130 anos de resistência aos espanhóis). Dominados e vencidos nas guerras Calchaquies, foram subjugados e obrigados a fazer uma viagem de cerca de 1.500 km a pé, até uma reserva (“reducción”) em uma região perto de Buenos Aires (hoje uma cidade chamada “Quilmes”, uma espécie de homenagem ao sofrimento desse povo) e a outros locais, causando centenas de mortes entre os Quilmes pela falta de comida, água e descanso e escravizando os que não foram levados nesta marcha. Depreende-se que menos de oitocentas pessoas chegaram com vida e que muitos, ao chegar, juraram não ter filhos para que os descendentes não vivessem em uma terra que chancelava a crueldade de um brutal genocídio.
O aprendizado da visita a esse local formidável e cheio de distintas energias, é que esse povo tem memória e mantém viva sua história. A Pátria se alimenta do pensamento e ação de homens e mulheres que batalharam para deixar como herança o país e as tradições, de forma soberana e independente, e que trabalha ainda hoje para forjar um futuro melhor, sem esquecer-se de seu passado de lutas.