Com uma história recheada de batalhas, conquistas e lances dramáticos, além de natureza exuberante, foi o país dos cenários externos do seriado Game of Thrones. Ali realidade e fantasia têm o mesmo peso na balança!
Croácia: a ficção é real
por Fábio Steinberg
Não há palavra que melhor defina a Croácia que resiliência. Ao longo de sua existência, este lindo e valente país europeu conviveu com inúmeras civilizações e conflitos – um deles bem recente. Graças a sua capacidade de enfrentar desafios e se adaptar a mudanças, conseguiu superar obstáculos. Por isso, sobrevive séculos depois de seu surgimento, enquanto várias outras civilizações da mesma época desapareceram.
O que não falta à Croácia são vizinhos. Por isso, visitar o país é como viajar por um pequeno continente, atravessando fronteiras e entrando e saindo de diversos países localizados a distâncias muito reduzidas. Ao norte, estão a Eslovênia e Hungria. Ao nordeste, a Sérvia. No leste, a Bósnia e Herzegovina. Ao sul, Montenegro. E ao oeste, como se fosse um país por si próprio, o deslumbrante mar Adriático. Essa sucessão de cenários e culturas explica o sucesso da Croácia e vizinhança, capaz de surpreender até o turista mais experimentado.
A cultura da Croácia tem raízes muito antigas e diversificadas. Seu povo habita a região há pelo menos 13 séculos. No entanto, existem reminiscências ainda mais remo- tas e bem preservadas de períodos anteriores. Lá foram encontrados ossos com 100 mil anos de idade de um homem de Neandertal, em um local próximo a Krapina. Civilizações ancestrais também deixaram sua marca. Há registros de habitação na ilha de Vis que atestam a passagem de gregos na Antiguidade. Cidades, construções e ruínas do Império Romano também estão presentes, como o aqueduto de Salona, na costa da Dalmácia, o palácio do imperador Diocleciano, em Split, ou a Basílica de Eufrásio, em Porec. O reino da Croácia foi fundado no ano 925. Ele se estende até o século 11, quando o país passa a ser governado por reis húngaros.
Com a invasão dos Balcãs pelos otomanos, o território se divide entre o mundo mulçumano, ao norte, e cristão, ao sul. Após a Primeira Guerra Mundial a Croácia se torna parte da Iugoslávia, que junta no mesmo balaio eslovenos, croatas e sérvios, até se tornar um estado comunista em 1945. O desmoronamento do regime comunista nos anos 1980 abre as portas para a independência da Croácia. No entanto, o ódio secular entre sérvios e croatas acaba por alavancar, em 1991, uma guerra fraticida que se estende por quatro anos.
Mas isso são águas do passado. Hoje não só não se notam cicatrizes aparentes, como ninguém quer mais falar sobre o assunto. A Croácia desenvolveu uma das economias mais fortes da região dos Balcãs, que só é superada pela Grécia. Admitida na União Europeia em 2013, tornou-se um dos principais destinos turísticos do Mediterrâneo. Só de cruzeiros, recebe 800 por ano. Além do rico patrimônio histórico, o país combina uma geografia peculiar. Possui um litoral privilegiado, com penínsulas, baías e milhares de ilhas.
Grandes surpresas
Dito assim, essa descrição poderia caber ao litoral grego, ou mesmo à Costa Almafitana, na Itália. Só que estamos falando da Croácia, um destino que a cada dia se torna mais obrigatório para viajantes de todo o mundo. Os quase 1,8 mil quilômetros de costa, onde se sucedem vistas sucessivas em combinações jamais repetidas de mar e terra, impossíveis de ser ignoradas, são um espetáculo por si. Mas não é só o mar que impressiona. Os lagos de Plitvice, que ficam no maior dos oito parques nacionais do país, também se prestam ao papel de cartão-postal deste lugar privilegiado pela natureza. Em 300 k2, há 16 lagos conectados por trilhas e cachoeiras. Para completar, dez sítios da Croácia foram considerados como Patrimônio Histórico pela Unesco. Com tantos atrativos, o país recebeu, só em 2018, 18,4 milhões de turistas. É um número cerca de três vezes maior que o Brasil.
Qualquer rota ou lugar que o viajante decidir explorar, jamais incorrerá em erro. Cada cidade do país tem sua própria personalidade e atrativos. Como é impossível falar de tamanha multiplicidade de destinos sem omissões, é preferível se concentrar nos mais importantes. Começa por Zagreb, a capital desde 1991, onde o moderno se cruza com o antigo a cada instante. Destaca-se a Igreja de São Marcos, com seu telhado colorido de brasões do país, construída no século 13, e localizada na cidade alta. Os monumentos históricos convivem em harmonia com ruas e calçadas alegres e repletas de bares dia e noite, na cidade baixa.
Em Dubrovnik há uma belíssima cidade medieval de origem veneziana, cercada por dois quilômetros de muralha bem preservada. Fica às margens do mar Adriático, com suas águas transparentes que variam entre o verde e o azul turquesa. De lá é possível pegar um teleférico até o Monte Srd, com vista não só à parte antiga, mas para o mar e ilhas. É de Dubrovnik também que é possível uma escapada para os vizinhos Montenegro e Bósnia e Herzegovina, distantes a poucas horas dali.
A batalha dos reinos
A Croácia não chega a ser uma surpresa para quem acompanhou o seriado
Game of Thrones, produzido pela HBO. Com certeza vai reconhecer muralhas,
castelos, ruinas e mares que enfeitam as cenas externas da produção.
Vai lembrar das intrigas e batalhas na cidade ctícia de Qarth, a Fortaleza
Vermelha, e a Baía da Água Negra, todas lmadas em cenários reais de
Dubrovnik. Foi na St. Dominika Street, parte da Cidade Velha e que é
Patrimônio da Unesco, que a rainha Cersei foi forçada a andar nua na sua
Caminhada da Expiação. Ou a Fortaleza de Lovrijenac, onde ocorreu o torneio
em homenagem ao dia do rei Joffrey. Ou ainda Blackwater Bay, Mineeta
Tower ou Casa dos Imortais. A cidade soube capitalizar este imenso sucesso
da televisão e manter viva a magia. Hoje não faltam passeios guiados, várias
vezes ao dia, lotados de turistas interessados em conhecer os locais onde
a história se passou. As lmagens na Croácia se expandiram muito além
de Dubrovnik. Incluem ainda a costa da Dalmácia, na direção de Split, ou
Ston e Arboreto Trsteno, transformados na série em jardins do palácio de
King’s Landing, entre outros. Além disso, em Split surgiu o museu Games of
Thrones, com mais de cem réplicas, desde armas, cenas, personagens e até a
cabeça do dragão.
Sons da natureza
Split, segunda maior cidade da Croácia, é onde foi construído o ainda bem preservado palácio do imperador romano Diocleciano. Dali é feito o acesso a ilhas paradisíacas do sempre gelado mar Adriático, entre elas Hvar – com seus passeios de barco à Gruta Azul e arredores. Em Zadar, uma das cidades mura- das com ruínas do período romano, fica um dos pontos turísticos mais famosos: o Órgão do Mar. Tubulações gigantes encravadas em pedra à beira-mar são acionadas pela pressão do ar devido ao movimento das águas. O resultado são sons aleatórios que formam uma estranha melodia, como que interpretada pela natureza.
No país fala-se a quase impronunciável língua croata, uma com- binação de consoantes que ignora vogais. De origem eslava, emprega o alfabeto latino. É muito parecido com o sérvio, que utiliza o alfabeto cirílico. Para alívio dos turistas, a maioria dos habitantes ou fala, ou pelo menos “arranha” o inglês.
A influência de vários povos que passaram pela região ao longo da história é observada não só na cultura heterogênea, mas refletida em uma culinária rica e variada. Vai dos pescados e pratos típicos gregos, venezianos e italianos, aos de inspiração húngara, turca e até austríaca.
Para harmonizar com essa gastronomia ímpar, não faltam bons vinhos cujos vinhedos são outra fonte de boas excursões. Some-se a isso um povo hospitaleiro que se complementa com natureza e história para explicar porque tanta gente quer visitar a Croácia. Por isso, principalmente durante a alta estação, entre os meses de junho a agosto, o país torna-se refém do turismo de massa.
Em Dubrovnik, por exemplo, além de esbarrar com gente que se espreme pelas ruas estreitas entre igrejas e palácios, os preços sobem e as acomodações rareiam. Antes de fazer as malas, certifique-se de não embarcar neste período tumultuado. Evite assim que sua jornada não se torne um pesadelo igual às piores batalhas enfrentadas em Game of Thrones.
O homem do dedão de ouro
Localizado no centro de Split há uma estátua de 10 metros de altura. Erigida em 1929, ganhou fama, não só por representar uma gura histórica, mas por um detalhe inusitado. O personagem retratado é o bispo croata Gregory de Nin (Grgur Ninski). Ele é lembrado por ter desa ado, em tempos medievais, a Igreja Católica de Roma. No ano 926, decidiu introduzir a língua nacional nos serviços religiosos, até então falados em latim, para que o povo pudesse melhor entender a palavra de Deus. Com isso, ganhou respeito entre seus conterrâneos por defender a cultura croata, idioma e cidadania.