Ana Paula Faure, uma das sócias-fundadoras da Hplus Hotelaria, diz que o machismo ainda deixa de fora as mulheres dos cargos mais altos das empresas e conta sobre sua trajetória à frente da maior rede hoteleira do Centro-Oeste do país, Hplus Hotelaria, que agora se expande para outras capitais.
Alto Comando
por Simone Galib
Empreendedorismo feminino é uma palavra da moda. Mas, no vocabulário e no cotidiano de Ana Paula Faure, o verbo empreender começou a ser conjugado há muito tempo. A executiva comanda a Hplus Hotelaria, a maior rede de hotéis da região Centro-Oeste, com seis hotéis e nove apart-hotéis em operação, na qual também é sócia-fundadora. A trajetória começou lá atrás, nos anos 80, quando trocou a enfermagem pela hotelaria. Pós-graduada em administração de empresas, passou por diversos setores – da recepção à gerência de hospedagem. Implantou e gerenciou hotéis, como o Bonaparte, o Metropolitan e empreendimentos da rede Blue Tree. Em 2002, nascia a Hplus Hotelaria, inaugurando um novo conceito de hospedagem de longa permanência na capital federal: o segmento de apart-hotéis, até então uma novidade no mercado nacional.
Hoje também está à frente dos planos de expansão da rede em outras regiões do país. Em 2017, estreou no segmento de turismo de lazer à beira-mar em João Pessoa. Futuramente a Rede Hplus lançará novas unidades em São Paulo, Rio de Janeiro, Palmas e Manaus. Nesta entrevista, Ana Paula fala sobre o papel da mulher no mercado de trabalho, preconceitos, machismo, equiparação salarial, relações familiares, hospitalidade e viagens. Leia, a seguir, os principais trechos.
Viagens S/A – Como você ingressou no mercado da hotelaria?
Ana Paula Faure – Trabalhava como instrumentadora cirúrgica em uma maternidade em frente a um hotel em São Paulo. Tinha curiosidade sobre o mundo da hotelaria. Na época, eu estava um pouco insatisfeita com a minha profissão de enfermagem, até que um dia, decidi conversar com o gerente do hotel para conhecer melhor sobre o mercado hoteleiro. Ao me receber, tive a satisfação de ouvir algumas dicas e uma delas foi a informação de que em São Paulo estava abrindo a primeira faculdade de hotelaria: a Faculdade Renascença. Desisti da profissão de instrumentadora cirúrgica e ingressei nesta faculdade.
Viagens S/A – Nos segmentos de turismo e negócios, especialmente na hotelaria, ainda predominam os homens em cargos de CEO. Por que isso acontece?
Ana Paula – Não só no turismo, mas em todos os setores. Na verdade, acho que o turismo e a hotelaria são mais receptivos, talvez pela questão de hospitalidade e do atendimento personalizado. Nesta questão do atendimento, a mulher tende-se a alcançar maior destaque. O machismo e a falta de empoderamento afastam as mulheres dos cargos mais altos. É uma guerra contínua. Ainda estamos longe de alcançar a igualdade nos cargos que ocupamos e a equiparação salarial. Os argumentos para essas diferenças são: gestação, licença maternidade e cuidado do dia a dia dos filhos.
Viagens S/A – E o que precisa mudar?
Ana Paula – O mundo precisa começar a entender que as mulheres são tão preparadas quanto os homens. Na verdade, acho que as mulheres acabam até se dedicando mais aos estudos. Estatisticamente, elas se qualificam mais, em termos de graduação, mestrado, doutorado, quando comparado aos homens. O que precisa mudar é a forma de encarar as famílias. Os homens, pais de família, devem entender que são responsáveis, na mesma proporção, pela educação e pela saúde daquela criança. Além de dividir igualmente a carga horária em casa e no trabalho. Quando todos entenderem que é necessária a divisão de tarefas para que ambos tenham a mesma dedicação em suas profissões, esse cenário poderá mudar.
Viagens S/A – Você enfrentou (ou enfrenta) preconceitos para comandar a empresa?
Ana Paula – Como empreendedora, eu devo enfrentar, mas é um preconceito velado. Quando me mudei para Brasília, trabalhei na implantação e na gestão temporária do hotel Bonaparte. Participei de todo o projeto do hotel Metropolitan. Próximo da abertura dos empreendimentos, me candidatei à vaga de gerente geral, em meados de 1995. Ao solicitar o cargo ao meu gestor imediato, ele se assustou. “Mas, Ana Paula, você é tão nova, você é mulher… Será?” Na época, minha filha mais velha tinha um ano de idade. No entanto, acredito que a pergunta deveria ser outra: “Você conhece o hotel? Você está preparada para ser gerente?” Por fim, ele confiou no meu potencial e eu fui uma das primeiras mulheres gerentes de hotel do Brasil e a primeira em Brasília.
Viagens S/A – Quem são as mulheres empreendedoras que a inspiram ou que a senhora admira?
Ana Paula – Todas as histórias femininas são lindas, desde as mais anônimas até as mais conhecidas. Há um tempo atrás, eu li o livro A distância entre nós, da escritora Thrity Umrigar, sobre as mulheres indianas, e o livro As boas mulheres da China, da escritora Xinran, que traz vários contos. Li também livros sobre mulheres árabes, que enfrentam preconceitos e repressão. Todas essas histórias são inspiradoras.
Viagens S/A – Como concilia a vida pessoal com a profissional?
Ana Paula – Estar por inteiro é a chave do sucesso. A gente tem que saber dividir, não tentar fazer tudo de uma única vez. Quando eu estou na Hplus, estou entregue ao trabalho. Em casa, não gosto de comentar sobre trabalho ou de responder e-mails, apenas quando trata-se de uma emergência. Às vezes, tenho a sensação de que eu estou devendo algo para alguém e que eu poderia ser melhor para minha família ou para a Hplus. Aquelas culpas que a gente carrega o tempo inteiro. Mas, onde quer que você esteja, esteja inteiro.
Viagens S/A – O que mais a atrai no setor de hotelaria e o que mais a desafia?
Ana Paula – O grande desafio para mim na Hplus é o crescimento sustentável. Não busco um crescimento desordenado, que não seja bom para a empresa e para os colaboradores. O que mais me atrai é o trabalho em equipe. Tomar à frente de algo, juntar as equipes e as qualidades de cada pessoa para alcançarmos os melhores resultados, proporcionando experiências marcantes aos nossos clientes.
Viagens S/A – Como estão os projetos de expansão da Hplus?
Ana Paula – Os últimos dois anos foram anos de crise no país, qualquer passo maior seria perigoso. Foram anos atípicos, pós-Copa do Mundo, onde a oferta da hotelaria cresceu muito e a gente viu muitos hotéis fecharem. A expansão não deixou de existir durante a crise, mas foi um trabalho mais comedido. Para 2019, planejamos um trabalho mais amplo e ousado, como a abertura do hotel Hplus Premium Palmas.
Viagens S/A – Qual o maior desafio de manter em desenvolvimento uma rede hoteleira no Distrito Federal, centro do poder do país, e com um perfil de hóspede tão específico?
Ana Paula – O desafio da Hplus Hotelaria é a incessante busca pelo atendimento personalizado. Acredita-mos que o sucesso está no servir bem e tornar única a experiência de nossos hóspedes a cada nova estada.
Viagens S/A – O que precisa melhorar no segmento de hospitalidade no Brasil?
Ana Paula – Cada empreendimento tem um ponto específico. Alguns hotéis no Brasil precisam melhorar na infraestrutura, outros no atendimento, na simpatia, no preço. Em nossa rede, o foco está em oferecer, além de uma excelente estada em localização privilegiada, a hospitalidade e carisma em cada atendimento.
Viagens S/A – Fale sobre os novos hotéis da rede em João Pessoa e em Palmas.
Ana Paula – Em outubro deste ano, completaremos um ano de abertura do hotel João Pessoa Hplus Beach. Atuar no Nordeste está sendo uma experiência muito positiva, pois até então, era um mercado que não atuávamos. A bandeira Beach traz um foco maior no turismo de lazer e nos permite agregar novos serviços e experiências ao nosso novo cliente. Palmas é um empreendimento muito bonito, diferenciado na cidade. Estamos muito entusiasmados. Em breve teremos mais um hotel no nosso portfólio.
Viagens S/A – O que o Brasil precisa ainda aprender com as grandes redes de hotéis internacionais?
Ana Paula – Com a globalização, todos os hotéis são muito parecidos. Eu não consigo ir para a América do Sul, Europa, América do Norte e ver grandes diferenças entre os hotéis. Talvez, algumas tecnologias de lá podem estar à frente do Brasil. No entanto, em serviço e atendimento eles têm muito a aprender conosco.
Viagens S/A – Quais os países que mais a encantam no quesito hospedagem?
Ana Paula – Uma das experiências mais interessantes na hotelaria foi quando me hospedei em um riad, no Marrocos. Os riads do país me encantaram. Primeiro, porque eles são muito bonitos e têm um ar das pousadas brasileiras. Oferecem um atendimento diferente de tudo que eu já vivenciei. Todos os hóspedes são recebidos, a qualquer hora do dia ou da noite, sempre com um bule de chá de menta, são muito atenciosos. Além disso, têm um aspecto de casa e não de hotel, uma proposta diferente. Acho que essa experiência foi uma das mais marcantes da minha vida. Lembro com muita saudade. Os marroquinos sabem receber muito bem.
Viagens S/A – Quais as férias dos sonhos?
Ana Paula – Gosto de A a Z. Eu me divirto tanto num camping quanto num hotel cinco estrelas. Às vezes, a viagem dos sonhos é simplesmente acampar em meio à natureza sem nenhum serviço e nenhum conforto, apenas desfrutando da beleza do local. E, em outras, é uma delícia ficar em um hotel cinco estrelas, em um resort com todo o conforto, com todos os serviços e facilidades disponíveis. Tudo depende da fase, da companhia e de outros fatores. Não tenho uma viagem dos sonhos. Todas são maravilhosas.