Dicas para viajar pelo velho continente, que recebe 650 milhões de turistas por ano, gastando, ou se estressando menos e aproveitando mais.
Fugindo das multidões!
por Fabio Steinberg
Todo ano, 1,3 bilhão de pessoas viaja a turismo pelo mundo. São 400 milhões a mais que há apenas dez anos. O número não para de crescer desde 1960, a uma impressionante taxa média de 4% ao ano. Nenhuma parte do mundo reflete de forma mais séria que a Europa essa incrível invasão de estrangeiros. O continente recebe cerca de 650 milhões de turistas por ano. Ou seja, é metade de todo o movimento global. De acordo com a Organização Mundial de Turismo (UNWTO), a França lidera ao ser visitada por 85 milhões, seguida pela Espanha (68 milhões) e Itália (51 milhões).
O número de viajantes que chegam à Europa é muito superior ao total de habitantes. Essa mobilização se torna prejudicial ao sobrecarregar de forma desproporcional a infraestrutura dos países. Além disso, cria engarrafamentos humanos nos principais pontos de interesse, afeta a ocupação urbana natural e faz surgir verdadeiras “arapucas” só para pegar turistas.
A situação é particularmente dramática em cidades e regiões que concentram maior interesse turístico. É o caso de Veneza e Toscana (Itália), Barcelona e Ilhas Baleares (Espanha), ou Amsterdã (Holanda). Até pelas suas características históricas, culturais e geográficas, elas não foram preparadas para absorver tamanho contingente humano. Por isso, mostram sinais de exaustão.
Conhecido como overturismo, esse fenômeno ocorre toda vez que há visitantes em demasiado em um destino. Seus sintomas mais comuns vão de preços exorbitantes nos alugueis de curto prazo, ruas estreitas lotadas de carros, vida selvagem ameaçada, pontos turísticos lotados e degradação de meio ambiente, entre outros.
Preocupadas, autoridades locais começam a tomar medidas para reduzir o fluxo excessivo de visitantes. Não faltam exemplos. Na capital Amsterdã, os holandeses proibiram a construção de novos hotéis próximos aos famosos canais. Além disso, criaram restrições a sites como Airbnb e querem estabelecer novas taxas de turismo.
A ilha de Veneza, que chega a receber até 125 mil visitantes em único dia, o que é metade de sua população, proibiu a entrada de cruzeiros na cidade. Além de estabelecer multas por mau comportamento aos visitantes mais mal-educados, agora pensa em determinar quotas diárias de turistas.
Na Croácia, Dubrovnik deve limitar o número da antiga cidade a 4 mil por dia, enquanto a ilha de Hvar anunciou multas de até 700 euros para casos de bebedeiras e bagunça pública.
Nas ilhas Baleares (Majorca, Ibiza, Menorca, Fomentera) quem alugar imóveis para turistas pode ser penalizado em até 40 mil euros. Barcelona foi mais longe, e declarou guerra ao Airbnb e HomeAway. Para mostrar que não estava de brincadeira, multou a Airbnb em 600 mil euros, e obrigou os proprietários a licenciar seus imóveis antes de colocá-los em locação.
Isso significa que se tornou impossível viajar para a Europa? Claro que não. Ainda é perfeitamente viável – e indispensável – conhecer cidades e viver ricas experiências culturais e gastronômicas no velho continente, sem esbarrar em ávidas hordas, mais interessadas em fotografar do que ver alguma coisa. Mas, há algumas regras a seguir.
E o Brasil?
Enquanto o turismo no mundo inteiro floresce, o Brasil parece que parou no tempo. Há três décadas patina nos mesmos 6 milhões de visitantes estrangeiros por ano. Esse número representa 0,004% do movimento global. É menos do dobro do que recebe o Uruguai, menor e com ainda pouca tradição no setor. Desperdiçou-se no nosso país a realização recente de eventos esportivos de peso internacional, como a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Era a dica para colocar o país na vitrine e na rota dos turistas estrangeiros. Neste momento, o overturismo que incomoda os principais destinos mundiais pode apresentar uma oportunidade única para o Brasil. Afinal, se uma porta se fecha, outra se abre. Aqui não faltam beleza natural, cultura rica, excelente gastronomia e um povo receptivo. Falta, isto sim, mais seriedade e vontade política.
Mude o roteiro
Começa pela escolha do destino na Europa. Em vez de optar por um lugar excessivamente requisitado, a viagem a cidades secundárias ou até terciárias oferece igual beleza e interesse. Por exemplo, na Itália pode-se trocar Roma ou Florença por Siena, Pisa ou Bologna. Na Holanda, substituir Amsterdã por Utrecht. Barcelona é ótima, sem dúvida, mas a Espanha é um imenso país, e muitas de suas cidades, pueblos e montanhas não estão superlotadas de turistas.
Nos destinos menos conhecidos, os habitantes não só costumam ser excelentes anfitriões, como querem e precisam receber mais turistas. Provavelmente conhecer esses lugares será mais gratificante e vai enriquecer a experiência de viagem. E há um bônus. Com bem menos turistas, os destinos fora do radar tendem a ser mais baratos.
Outra dica importante. Evitar pesquisar onde ir e o que fazer apenas em sites de viagens muito conhecidos. A razão: é exatamente isto que todo mundo faz, e aí todos acabam no mesmo lugar. Muitas vezes formam-se multidões e filas naqueles pontos turísticos, atrações ou restaurantes apresentados. Nasce, portanto, uma demanda artificial viciada, que não agrada a ninguém e nem sempre corresponde à realidade. O problema é que muitos desses sites têm interesses comerciais nas suas indicações, o que gera no mínimo um conflito de interesses. Não raro há lugares equivalentes e até melhores, só que menos conhecidos.
Por que tantos viajam?
Nunca houve tanto turista. Uma explicação é o surgimento de uma classe media crescente nos países em desenvolvimento e que se dispõe a gastar dinheiro em viagens. De acordo com um estudo do Brookings Institute, este grupo global já atinge 3,7 bilhões de pessoas, ao qual devem se somar anualmente mais 160 milhões nos próximos cinco anos. Os millennials, jovens entre 22 e 37 anos, também ganharam gosto pelas viagens, pois priorizam experiências a equipamentos, roupas, carros ou imóveis.
Contribuem ainda para a super lotação os megacruzeiros. Usando combutível barato, mas poluente, despejam milhares de pessoas em portos de toda a Europa. A reclamação dos moradores é que os passageiros gastam pouco enquanto desembarcam, mas entopem ruas históricas, monumentos, cafés e lojas. De forma similar, a criação excessiva de voos low cost e charters facilitaram o acesso de mais gente aos destinos.
Sites de hospedagem compartilhada também carregam parcela de culpa. Saturaram o mercado ao disponibilizar, sem qualquer planejamento, pagamento de licenças ou impostos, milhares de camas em cidades de todo o mundo. Há uma contraditória relação amor e ódio dos moradores e governos das cidades com os turistas. De um lado, as invasões massivas e descontroladas desequilibram em muito a qualidade de vida. Mas por outro, geram taxas, receitas e excelentes negócios para hotéis, bares, restaurantes, igrejas, comércio e toda a indústria que vive do setor. A longo prazo, a dependência excessiva do número de turistas é danosa. Por isso, cedo ou tarde exigirá medidas de controle, o que inclui aumento de preços, licenças para atrações, proibição navios de grande porte e maior controle sobre a abertura e o local dos negócios.
Quando ir
É claro que existem pontos turísticos famosos, que não podem passar em branco na viagem. Nesse caso, há duas recomendações importantes. A primeira é selecionar as que cada um considera como indispensáveis. Afinal, é impossível visitar tudo em pouco tempo. A segunda é fazer reservas pela internet com a devida antecedência, o que evita filas ou lotação esgotada.
A escolha da data da viagem é outro item fundamental. O ideal é visitar um destino badalado da Europa entre estações, quando o número de turistas é menor. No verão, além de muito quente, há um exército incontrolável de visitantes. O tempo costuma ajudar quem embarca em meses como abril e maio, ou setembro e outubro. Não faz nem muito frio, nem muito calor. As lojas e restaurantes estão em geral abertos e cobram menos.
De vez em quando é bom também deixar o celular no hotel e sair pelas ruas sem destino certo e sem compromisso. É também um ótimo momento para fugir das multidões, experimentar perder-se pelos caminhos menos movimentados, observar pessoas, seguir o instinto, misturar-se aos habitantes e curtir o ambiente. Com certeza, essa atitude trará boas surpresas e ótimas recordações.
Turismo responsável
Também é aconselhável viajar em pequenos grupos. Isso não só evita o overturismo, como permite uma conexão mais direta com locais e diferentes estilos de vida. Busque alternativas que fujam ao lugar comum. Por exemplo, pernoitar em Capri, na Itália, permite uma experiência mais autêntica. A ilha ganha vida própria e charme bem diferente do que quando é ocupada por milhares de turistas, principalmente trazidos pelos cruzeiros.
Uma última recomendação. O turista tem o poder de compensar os efeitos negativos do overturismo através de um comportamento correto, e que faça a diferença, como comprar o máximo possível de itens produzidos localmente. Ou adquirir entradas de parques, museus e igrejas para assegurar sua boa conservação; instalar-se em hotéis e meios de hospedagem que pertencem aos próprios residentes; comer em pequenos restaurantes e bares, geralmente geridos pelos proprietários e, sempre que possível, contratar guias locais nos tours.
Na Europa, assim como no resto do mundo, o melhor remédio para enfrentar a ocupação desenfreada de gente é praticar o turismo responsável. O viajante não pode nunca esquecer que é um convidado no destino. Por isso, precisa antes de mais nada respeitar suas leis e costumes. Se ele levar em conta a garantia da qualidade de vida do morador permanente, o resultado será uma experiência positiva para todos.