
O novo ministro do Turismo, Vinicius Lummertz, diz que é preciso colocar o setor no centro da estratégia econômica do Brasil, defende a expansão de vistos eletrônicos para estrangeiros, a liberação das amarras burocráticas e a abertura de capital das empresas aéreas.
De fronteiras ainda “fechadas”
O turismo é a grande indústria que o Brasil ainda não explora e é preciso libertar o setor para que ele possa trabalhar. A opinião é de Vinicius Lummertz, o novo ministro do Turismo. Ele assumiu a pasta, em abril de 2018, no lugar de Marx Beltrão, que deixou o governo para cuidar de sua campanha à reeleição como deputado federal por Alagoas. Embora esteja há pouco tempo no cargo, Lummertz conhece muito bem o setor ainda tão pouco explorado em um país com uma diversidade natural exuberante e que tem a 4ª maior aviação doméstica do mundo. Ele estava no comando da Embratur desde 2015.
Dono de um belo currículo, Lummertz, 57 anos, é formado em ciências políticas pela Universidade Americana de Paris, na França, e tem pós-graduação na Kennedy School da Harvard University, nos Estados Unidos. Natural de Santa Catarina, o ministro foi também secretário nacional de Políticas de Turismo, de 2012 a 2015, e é muito respeitado por empresários do setor. Para ele, “não é aceitável” o Brasil receber 6,6 milhões de turistas por ano”, cenário incompatível com o potencial do país e que só pode ser modificado com medidas muito específicas, como a desburocratização de processos, a facilitação da entrada de estrangeiros e o fim da instabilidade jurídica, entre outras medidas – algumas já em andamento.
Nesta entrevista, ele fala a Viagens S/A sobre os desafios, os principais problemas, e os novos projetos, como a expansão de vistos eletrônicos para outros países como forma de incentivar a visita de estrangeiros, ter mais recursos para a promoção internacional (em 2017, o Brasil investiu apenas US$ 17 milhões nesse quesito, enquanto o México, US$ 490 milhões) e a abertura total do capital estrangeiro das companhias aéreas para aumentar a conectividade brasileira. Leia, a seguir, os principais trechos.
Viagens S/A – Qual o maior desafio hoje para o turismo no Brasil?
Vinicius Lummertz – Para um país que é considerado o mais competitivo do mundo em recursos naturais, tem a quarta maior aviação doméstica e o 11º PIB turístico do planeta não é aceitável ter 6,6 milhões de turistas estrangeiros ao ano. É incompatível, e, por isso, um dos desafios é ampliar a política de facilitação de entrada de estrangeiros por meio da aplicação do visto eletrônico para outros países. Precisamos colocar o turismo no centro da estratégia econômica do país, e para isso é preciso libertar o setor de turismo para trabalhar.
Viagens S/A – O que significa libertar o turismo para trabalhar?
VL – Eu me refiro à desburocratização dos processos, à melhoria do ambiente de negócios para o setor, o que vai nos reposicionar internacionalmente em competitividade e acabar com a insegurança jurídica, impedimento real para se rentabilizar investimentos no país. O turismo é a grande indústria que o Brasil ainda não explora: podemos ter mais turismo de natureza, investir em inovação de roteiros em cidades históricas, promover atrativos de destaque internacional, como os parques naturais e temáticos. A nossa agenda de desenvolvimento passa por todas essas questões.
Viagens S/A – Por que o turismo é tratado com tanto descaso no Brasil?
VL – Não é descaso. São limitações, amarras burocráticas que impedem que o setor se desenvolva no ritmo que projetamos. Mas, estamos trabalhando nisso: um olho no Congresso Nacional e o outro nos incentivos ao mercado. Está em tramitação no Congresso o projeto de lei 2724 que, entre as ações, prevê a modernização da Lei Geral do Turismo. São 118 alterações que, em última instância, vão atualizar uma legislação para que o setor seja capaz de gerar mais emprego e renda ao povo brasileiro. O mesmo projeto prevê ainda a transformação da Embratur em uma agência, para fortalecer a promoção internacional, e a abertura total de capital estrangeiro das companhias aéreas, para ampliar a conectividade aérea brasileira.
Viagens S/A – De que forma a iniciativa privada pode colaborar?
VL – Estamos fortalecendo o relacionamento com o trade, empresariado de turismo e investindo em mecanismos de crédito, como o Prodetur+Turismo. Uma política totalmente integrada à realidade do setor, que abre a possibilidade de transformar a história dos destinos por meio do apoio a grandes e pequenos projetos que façam a diferença. Isso traz um equilíbrio entre o investimento público e o privado, as duas coisas precisam conversar. Ou seja: não adianta formar capital de infraestrutura se não formarmos capital privado para se qualificar a oferta de serviço e atender à demanda. Não adianta ter um lindo pórtico de entrada da cidade, mas oferecer hotéis velhos e despreparados.
Viagens S/A – O país vive uma de suas fases mais críticas no quesito imagem. De que forma a violência no Rio e em algumas capitais do Nordeste afetam o setor?
VL – As maiores economias do mundo que, não por coincidência, são também os mais importantes mercados emissivos do mundo, já passaram por crises econômicas e políticas. Eles entendem que esse é um processo natural na democracia. No Brasil, as instituições públicas vêm mostrando que são sólidas e, por isso, o contexto tende a não afetar o turismo. Mas, é claro que a política de imagem do Brasil precisa de uma injeção de ânimo, o que estamos fazendo ao incentivar a criação de rotas com países parceiros, do trabalho pelo aumento da conectividade aérea e da derrubada das barreiras de visto. Uma das medidas mais importantes é a transformação da Embratur em uma agência independente.
O modelo institucional adotado no Brasil para a promoção do turismo não tem permitido que a Embratur enfrente competidores internacionais em termos de igualdade, não só em função dos baixos recursos disponíveis, como também pela reduzida flexibilidade do modelo. O projeto está em tramitação no Congresso e vamos lutar para que seja aprovado o quanto antes, para que possamos investir na promoção internacional não só do Rio e do Nordeste, mas de tantos outros destinos brasileiros.

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Viagens S/A – O senhor é favorável à liberação dos jogos/cassinos no Brasil?
VL – Entendo que o Brasil já está maduro para debater esse tema. A abertura e legalização dos cassinos integrados a resorts – com regras claras de governança, análise do histórico dos responsáveis pela administração dos negócios e uma fiscalização rigorosa – pode incrementar o turismo e aquecer da economia do país. Estamos falando de resorts com infraestrutura completa: shoppings, complexo gastronômico e centros de convenções. Estamos amadurecendo a discussão no Congresso Nacional, onde tramitam projetos sobre o tema, mas o debate deve ser aprofundado para sanar desafios como órgãos de controle e destinação específica dos tributos da atividade.
Viagens S/A – Quais os segmentos do setor de viagens que hoje têm melhor desempenho?
VL – O turismo impacta 52 atividades econômicas, mas um dos destaques, sem dúvida, tem sido a indústria da aviação. Durante o mês de março, a malha aérea internacional registrou um acréscimo de 12,56% na oferta mensal de voos em comparação ao mesmo período de 2017 (4.991 para 5.618 frequências mensais) e um acréscimo também nos assentos (+14,68%), passando de 1.109.725 para 1.272.621 assentos mensais. Isso se deve a mudanças de equipamentos das empresas aéreas e aumento dos turistas para o nosso país.
Viagens S/A – E o turismo de eventos?
VL – Essa é outra área que vem registrando sucessivas altas; é um setor capaz de impulsionar a indústria de viagens como atividade econômica sustentável e contribuir para alavancar destinos espalhados por todo o Brasil. Com as políticas de investimento do Ministério do Turismo em centros de convenções, por exemplo, também criamos um incentivo para a descentralização do segmento, favorecendo a valorização de destinos fora do eixo Rio-São Paulo.
Viagens S/A – Por que o Brasil não alcançou ainda resultados mais promissores, a exemplo do que fez o México?
VL – O cenário natural, sem estruturação para o turismo, não se promove. Precisamos mexer em questões que nos permitam avançar. A primeira é que o Brasil ainda é um país de fronteiras “fechadas” para o turismo e necessita expandir suas políticas de facilitação das viagens, implantadas recentemente, como o visto eletrônico. Segundo: falta aprimorar o modelo de promoção internacional, via modernização da Embratur como braço forte e independente, e priorizar recursos com esse objetivo. Enquanto o Brasil investiu irrisórios US$ 17 milhões na promoção internacional em 2017, concorrentes diretos no mercado turístico investiram muito mais: México aplicou a cifra de 490 milhões, Colômbia, US$ 100 milhões, Equador, US$ 90 milhões e Argentina, US$ 60 milhões. E, por último e não menos urgente, ampliar a conectividade aérea. O Brasil é um país de dimensões continentais e a capilaridade da aviação é fundamental para melhorar o acesso aos destinos. Isso inclui a revisão do imposto sobre o querosene de aviação, um dos fatores que contribuem para as altas tarifas e impedem brasileiros e estrangeiros de viajarem dentro do Brasil.
Viagens S/A – Quais os principais avanços do setor nos últimos dez anos?
VL – A “luta” dos vistos durou mais de sete anos. Essa medida foi um divisor de águas, porque abre caminhos, muda nosso olhar e nossa perspectiva sobre o que é possível fazer para impulsionar os resultados do setor no Brasil. A Índia, por exemplo, envia anualmente cerca de 34 milhões de turistas ao mundo, porém o Brasil recebe apenas 23 mil visitantes indianos por ano. Estamos cientes desse potencial e já estudamos a implantação do e-Visa para indianos. Essa é a mudança que buscamos: a que gera um movimento, transforma o mercado e nos permite alçar o Brasil a voos mais altos.

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Viagens S/A – O Brasil obteve recorde em 2017 no número de turistas. A quais fatores o senhor atribui esses números?
VL – É reflexo de ações orquestradas em parceria do governo e iniciativa privada na última década – grandes exemplos são a Jornada Mundial da Juventude, Copa das Confederações, Copa do Mundo e Olimpíadas. Hoje, o Brasil é considerado o “anfitrião da década”, por ter mostrado ao mundo sua vocação hospitaleira, a alegria do seu povo e a diversidade de seus “encantos” nesses grandes momentos. Mas, veja o que esteve por trás: a profissionalização dessa “aptidão” de receber bem mais de 95% dos turistas elogiaram nossa hospitalidade durante as Olimpíadas. Esse não é um “número”, mas um resultado que gera um eco. O que trabalhamos ontem continuará dando frutos no longo prazo. É o mesmo caso do e-Visa, que começou durante as Olimpíadas e hoje é uma política de governo. É um legado que vai muito além do impacto econômico.
Viagens S/A – Qual a expectativa para 2018?
VL – Pretendemos avançar nos projetos em tramitação no Congresso: abertura das companhias aéreas para o capital estrangeiro, mudanças na Lei do Turismo e modernização da Embratur. Isso vai representar uma nova fronteira de desenvolvimento para o setor. Outro desafio continua sendo ampliar o consumo de turismo no Brasil, seja trazendo mais visitantes internacionais e fazendo com que o setor fique mais acessível a um maior número de brasileiros. Isso vai acontecer projetando nossos destinos e vocações – parques nacionais, orlas e cidades históricas. Não podemos negligenciar o potencial e a diversidade do país, sob pena de continuarmos na lanterna mundial de uma atividade que pode salvar a economia brasileira e fazer o país voltar a crescer de forma sustentável.
Viagens S/A – Qual é o papel do turismo na geração de empregos?
VL – Para se ter uma ideia, o Brasil é o 6º com maior número absoluto de empregos diretos, indiretos e induzidos gerados pelo turismo – são 7 milhões, bem à frente das médias latino-americana (847 mil) e mundial (2,15 milhões). Somente em 2017, de cada cinco novos postos de trabalho ocupados no mundo, um foi pelo turismo. Esse dado comprova o poder transformador de nosso setor que continua empregando, enquanto diversas empresas estão fechando suas vagas. Diante dessa nova realidade, sugeri ao grupo de ministros do G20, em abril, para trabalharmos um novo mote para o setor. A proposta foi aceita e nossa linha condutora a partir de agora será “turismo, trabalhamos para gerar empregos”, direcionando nossa comunicação para o potencial de desenvolvimento econômico de nossa atividade.
Viagens S/A – Como o senhor analisa a abertura das companhias aéreas para o capital estrangeiro?
VL – É o que precisamos para dar o primeiro passo rumo à ampliação da conectividade aérea no Brasil e, por consequência, capitalizaremos ganhos históricos para o mercado doméstico. Se alcançarmos a meta de aumentar o limite de 20% para até 100% da abertura de capital estrangeiro nas companhias aéreas brasileiras, estaremos criando um ambiente de concorrência que permitirá a criação de novas rotas, maior oferta de voos e melhor acesso aos destinos, além da dinamização da economia das pequenas e médias cidades, com importantes efeitos para o turismo.
Viagens S/A – O segmento de cruzeiros marítimos, que encolheu nos últimos anos, dá sinais de recuperação. Há algum projeto específico para este setor?
VL – Há pelo menos dois em curso: revisão do custo de praticagem no Brasil e a ratificação da convenção do trabalho marítimo. O Decreto no 7.860/2012 criou a Comissão Nacional para Assuntos de Praticagem (CNAP), que ficou responsável por elaborar metodologia de regulação de preços do serviço de praticagem e definir preços máximos do serviço em cada Zona de Praticagem (ZP). Representantes dos cruzeiros e dos práticos buscam acordo para firmar valores adequados. Já a Convenção do Trabalho Marítimo está em discussão nos ministérios da Defesa e do Trabalho para análise e reenvio ao Congresso. O Brasil, que já chegou a ter 20 cruzeiros numa temporada, atualmente tem apenas sete navios. De acordo com pesquisa da Fundação Getulio Vargas, cada passageiro de um grande navio chega a gastar R$ 466 por dia nas escalas. É um mercado que não podemos perder, a hora de investir é agora.